Um modo de ler poesia

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Alfredo Bosi acredita que a poesia deve ser lida e interpretada a partir de suas imagens

Alfredo Bosi é um dos maiores professores e críticos de literatura no Brasil, foi professor na Universidade de São Paulo e é membro da Academia Brasileira de Letras desde 2003. É muito conhecido principalmente por causa de suas obras História concisa da literatura brasileiraO ser e o tempo da poesia; Literatura e resistência. 

Em seu texto intitulado “Sobre alguns modos de ler poesia: memórias e reflexões”, do livro Leitura de Poesia, o professor e crítico literário aborda questões referentes aos modos de se ler poesia, e  dá destaque sobretudo à importância de ler a poesia e interpretá-la a partir das imagens.

De acordo com Bosi, imagens de pessoas, imagens de coisas, de gestos, de atitudes, não importa se historicamente reais ou não, são vigentes na fantasia do poeta. Embora possa parecer de início, essas imagens não são soltas nem avulsas. É por meio das imagens que decorre o sentimento que é tanto do poeta quanto nosso, sentimento este pungente da memória, que pode ser dotado de horror, de melancolia, de nostalgia, de enternecimento e até mesmo de algo que é pueril e ao mesmo tempo piedoso. As imagens da poesia podem, ainda, restaurar coisas perdidas, como objetos antigos.

A partir do destaque para as imagens na poesia, Bosi passa a pontuar a presença da metáfora em textos poético, pois ela é o meio de representar tanto o real quanto de corroborar para a formação de imagens existentes no texto. Para o teórico, a imagem não só desempenha papel na construção, mas também no sentido do texto poético. Como ele mesmo destaca quando menciona o filósofo Hegel: “Se a arte é, como propõe Hegel, o aparecer sensível da Ideia, as instituições vividas em um momento de contemplação devem necessariamente revelar-se sob a forma de imagens” (BOSI, 2010, p. 230). Sendo assim, o poeta é responsável por traduzir em imagens determinados momentos de sua existência ou até mesmo de uma possível existência, uma que ele gostaria de viver,  aquilo que ele poderia ter sido.

Ao ler o texto poético e visualizar as imagens presentes nele, as experiências de cada leitor, seja de vida ou de leituras já feitas, permitem o reconhecimento entre esta experiência individual do poeta e a sua própria experiência individual, experiência esta que se dará de modo distinto para cada um, uma vez que cada ser tem a sua identidade, suas vivências e seu estado de alma. O texto poético e suas imagens terão seu valor particularizado na medida em que se der o reconhecimento poético entre a obra e o público.

Vale mencionar, ainda, que Alfredo Bosi passa apresenta em seu texto vários modos de ler poesia ao longo de séculos, de acordo com alguns teóricos e períodos históricos, passando pelo estruturalismo, pelo formalismo russo, pela leitura dialética de Adorno até chegar na crítica pós-moderna.

Por vezes fica a impressão de que o autor defende que, independentemente do modo de leitura da poesia e teoria utilizada para tal atividade, ela não deve ser vista como liso espelho da ideologia dominante, mas pode o seu avesso e contraponto, ou seja, deve ser entendida a partir da riqueza do símbolo poético em uma perspectiva realista, na qual a poesia faz parte de um movimento histórico.

Ainda em seu texto, Bosi faz uma homenagem à memória de Gaston Bachelard em função de sua experiência poético-filosófica que considera importantes as imagens do poema, capazes de abarcar generosamente corpo e historicidade, matéria e significação. Na perspectiva de Bachelard, há uma aliança entre a imagem e sentimento, o ato fundante da poesia. Este teórico dá um novo dinamismo à poética, uma vez que alinha ao campo da significação do poema a imagem e o som, o corpo humano e a matéria do cosmos. Desse modo, dado ao conteúdo do poema o sentimento como forma artística e, ao mesmo tempo, ritmo e metro, rimas e metáforas, acorde de tons e de sons, simetrias e harmonias. A forma artística, assim, é imaginação formal combinada com imaginação material.

Concluindo seu texto, Bosi apresenta que a lógica que relaciona as imagens da poesia se chama analogia, diferente da lógica que rege o discurso dos conceitos. No poema, de acordo com ele, a corrente das imagens é teleológica, no entanto, poderá ser aleatória na medida em que faltar unidade de sentimento ou quando o estado de alma deveria ter energizado a intuição e isto tocar no limiar da identidade do leitor.

 

Referência:

BOSI, Alfredo. Leitura de Poesia. São Paulo: Ática, 2010.

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