Um outro Kafka

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Na foto: Franz Kafka (à direita) com, da dir. para esq., sua secretária Julie Kaiser, sua irmã Ottla, sua prima Irma e a empregada Marenka; perto de Zürau, Bohemia, em 1917[Na foto: Franz Kafka (à direita) com, da dir. para esq., sua secretária Julie Kaiser, sua irmã Ottla, sua prima Irma e a empregada Marenka; perto de Zürau, Bohemia, em 1917]

 

Adaptado do texto A Different Kafka by John Banville, por Cecilia Garcia

 

 Kafka foi um dos autores que se esforçou pra construir uma imagem de si mesmo próxima do mártir, do artista que vivia Literatura não apenas como sustento, mas como energia, alimento. Em carta para sua noiva de longa data, Felice Bauer, ele afirmou “Eu sou feito de literatura; não sou mais nada nem posso ser nada mais do que isso”.

Evidentemente, há muitos outros autores que viveram sua produção de forma tão visceral – é o caso de Flaubert e Joyce, são exemplos, mas Kafka se destaca pela aceitação de incorporar  literatura como parte de seu ser e, não só construtiva, mas destrutivamente. Mais do que ser um artista atormentado, Kafka se sentia atormentado e projetava isso em sua obra – daí os textos centrados na luta do homem para manter-se saudável (algo que Kafka nunca foi) e são (algo que, aos poucos, alegava deixar de ser. Pense em “Carta ao pai” e veja como não se trata de um estereótipo ou personagem, mas sim de um confessionário de um artista dominado pelas dificuldades de sua vida e por um dom supremo. O Kafka escritor se sobrepôs ao homem, quase como numa metamorfose, mas ao invés de barata, ele virou um escritor ambulante.

É uma evidência clara de que não se trata só de observá-lo como parte de um momento histórico complexo ou ainda vê-lo como apolítico, autocentrado ou suas obras como excessivamente pessimistas. Muito do que ele vivia de fato era transmitido para a obra como sua única forma de salvação: se não escrevesse, aquilo ia se proliferar para dentro de sua alma já muito perturbada.

O que a academia hoje consegue avaliar é que parte destes conflitos era de ordem sexual. Segundo Saul Friedländer, o que começa sutilmente, se torna algo obsessivo, uma preocupação intensa na vida de Kafka. Juntamente com a insegurança sexual crescente e o estado de saúde fragilizado, os estudiosos de Kafka apontam que escrever da forma que ele escreveu passou a ser uma forma de terapia, que impediu que seu estado depressivo se agravasse de forma permanente e irreversível.

Saber da profundidade do sofrimento do grande Franz Kafka deve fazer-nos olhar sua obra através da ótica da dor e da insegurança, que vão muito além do simples pessimismo e ceticismo.

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