Não ando com a dor que torna o homem muito mais elegante, como dizia o Leminski. Mas tenho andado com uma baita saudade. Para falar de algumas saudades, é preciso falar das despedidas. E para invocar essa fatalidade que a vida, por vezes, à revelia, nos impõe, ataco de Rubem Braga, o sempre genial Rubem Braga. Há uma crônica dele, intitulada “Despedida”, que começa assim:
“E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.”
Lindo demais! E essas linhas sempre me fizeram lembrar o final de “Noites Brancas”, do Dostoiévski. Foi escrito quando ele ainda era jovem. O narrador, um aspirante a escritor, vendo a amada partir com outro homem, diz:
“Erguer uma nuvem escura sobre sua felicidade clara e serena; levar tristeza ao seu coração, acusá-lo e fazê–lo amargar um remorso secreto, obrigando-o a bater tristemente num momento de júbilo; pisar uma só das flores ternas que adornarão suas madeixas negras quando for com ele ao altar … Oh, nunca, nunca! Que seja claro o seu céu, que seja luminoso e sereno o seu lindo sorriso; abençoada seja você pelo momento de júbilo e felicidade que concedeu a um coração agradecido. Meus Deus! ! Não será isso o bastante para uma vida inteira?”
A saudade, pra mim, é um despertar de vulcão. Pode ficar anos sem dá pinta. De repente, bate forte lá no peito. Quem não sente saudades de alguém, de algo, de um tempo? E para aplacar a saudade que sinto, fico com uma das inspiradas efusões poéticas da Clarice. Radical, intensa, louca, viva, como sempre:
“Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.”
E eu ando com uma baita saudade!