Uma conversa com o poeta José Inácio Vieira de Melo

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Uma conversa com o poeta José Inácio Vieira de Melo

Em entrevista, o poeta José Inácio Vieira de Melo fala sobre sua relação com a literatura e sua própria obra.

Créditos: Ricardo Prado

José Inácio Vieira de Melo​ (1968), alagoano radicado na Bahia, é poeta, jornalista e produtor cultural.1 Publicou 9 livros, sendo o mais recente “Garatujas Selvagens” (Cajazeiras: Arribaçã Editora, 2021).

Conversamos sobre sua vida e obra!

O que a literatura significa para você?

José Inácio: A literatura é o que confere sentido à minha vida. É o meu trabalho e, ao mesmo tempo, é algo que me proporciona muito prazer. Costumo dizer que a poesia é a minha religião. E a poesia é literatura também. Ou seja, a literatura, em minha vida, está ligada ao trabalho, ao prazer e à espiritualidade. Eu não teria suportado muitas situações da minha existência se não estivesse conectado à força absurda que encontrei em muitas obras literárias, se não tivesse meu ser trespassado pela chama sagrada da poesia.

Você sabe dizer o porquê de escrever?

José Inácio: Sei dizer da minha experiência. E eu escrevo para continuar vivo e “tudo vibra quando escrevo meus versos”.

É possível dizer quem são suas maiores influências? De acordo com as referências em seus livros, posso pensar que temos acenos a Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e João Cabral de Melo Neto?

José Inácio: Sim, pode-se afirmar que essa tríade é uma fonte de inspiração para mim. Mas são muitos os meus referenciais. Desde Luiz Gonzaga e Patativa do Assaré até Bob Dylan e Gabriel García Márquez. De Cecília Meireles e Hilda Hilst a Rita Santana e Kátia Borges. De Myriam Fraga e Astrid Cabral a Jovina Souza e Sandra Santos. De Cida Pedrosa e Ronaldo Correia de Brito a Jussara Salazar e Salgado Maranhão.

Nos últimos quatro anos, tenho lido bastante as literaturas latino-americana e luso-africana, tendo sido marcante esse contato. As obras e seus autores que vou lendo passam a fazer parte do meu capital de referências.

Assim, escritores africanos como Gociante Patissa, Pedro Pereira Lopes, José Luandino Vieira, Ana Paula Tavares, Hirondina Joshua, Conceição Lima, e Paulina Chiziane; e os latinos Rómulo Bustos Aguirre, María Vázquez Valdez, Humberto Ak’abal, Laura Antillano, José Emílio Pacheco, Marialuz Albuja, Antonio Cisneros, Natalia Toledo, Raúl Gómez Jatin e Rubis Camacho também estão muito próximos da minha poesia, que é o mesmo que dizer da minha vida.

Quanto à sua poesia, qual é sua lembrança mais antiga relacionada a ela?

José Inácio: Os meus primeiros escritos estão muito relacionados à MPB. No início da década de 1980 começavam a se afirmar no cenário musical brasileiro artistas

Créditos: Ricardo Prado

nordestinos extraordinários, como Alceu Valença, Amelinha, Belchior, Djavan, Ednardo, Elba Ramalho, Elomar, Geraldo Azevedo, Raimundo Fagner e Zé Ramalho, cantores e compositores que tinham uma ligação íntima com a cultura popular e com a poesia de tradição acadêmica.

Essa turma maravilhosa da palavra cantada foi quem me despertou para a palavra escrita. Sobretudo o Raimundo Fagner, por ser um exímio musicador de poemas. Foi por conta da obra musical do Fagner que conheci os poetas, como Cecília Meireles, Patativa do Assaré, García Lorca, Rafael Alberti, Florbela Espanca, Ferreira Gullar, Antonio Brandão e vários outros. Foi nesse momento, no ano de 1980, que comecei a riscar meus primeiros versos.

Agora vamos falar do seu mais novo livro, Garatujas Selvagens

Como foi seu processo criativo?

José Inácio: Não sei falar de processo criativo, porque não tenho método nem disciplina para escrever. Não determino nada. A Poesia é quem manda. Quando ela me convoca, lá estou eu ao seu dispor. E esses chamamentos acontecem, muitas vezes, em momentos inesperados e, aparentemente, inadequados. Outra coisa, sou um poeta que escreve pouco. Talvez 30 poemas por ano.

Mas vamos falar do livro Garatujas Selvagens. É o meu nono livro, o que levou mais tempo para ser publicado, talvez por conta disso é o que tem mais poemas – quase cem. Os poemas estão divididos em dez capítulos, que começam sempre com uma ilustração do artista plástico Ramiro Bernabó e com uma epígrafe de poetas da minha admiração.

O livro conta com apresentação das escritoras brasileiras Ana Miranda e Denise Emmer e da poeta mexicana María Vázquez Valdez. No processo de arrumação do livro, contei com as leituras dos poetas Salgado Maranhão e Ana Luiza, sendo que a Ana fez uma rigorosa revisão. Há também fotografias de Ricardo Prado, que faz as fotos dos meus livros desde 2005, quando publiquei meu terceiro livro A terceira romaria.

O capítulo inicial, “Rabiscos rupestres” fala da linguagem e das várias possibilidades de leituras e de escrituras, ou seja, é um conjunto de poemas metalinguísticos. Logo em seguida, vem as sessões “Lonjuras” e “Cartografia do medo”, que falam da imensidão e do pasmo, da perplexidade e dos abismos, da cosmicidade do Sertão. Depois vem “Rota infinita”, a medida do amor. Há três capítulos intitulados “Retratos”, “Instantâneos” e “Autorretratos”. No primeiro desta tríade, “pinto” retratos de artistas da minha admiração, com os quais mantenho diálogos; os “Instantâneos” são haikais guilherminos, que prefiro nomear de aquarelas do sentimento ou de fotos de paisagens íntimas.

Os “Autorretratos” foram feitos a partir de fotografias de vários momentos da minha vida, em que se percebe a ação do tempo sobre o ser. Boa parte das fotos referenciais dos poemas desse capítulo é de Ricardo Prado. Há duas sessões intituladas “Panorâmica das mães” e “Afresco para Inácia”, que são pinturas agrestes, quadros duros que faço sobre as mães e sobre minha mãe. A derradeira sessão, “A rota do ser”, é onde estão reunidos os poemas mais ligados a este momento cruel da humanidade, a pandemia causada pelo COVID-19. São poemas leves, pois o momento requer leveza.

E como foi o processo de fazer os poemas dialogarem com as ilustrações?

José Inácio: Não houve esse processo. Pelo menos não houve essa intenção. Já tem uns 15 anos que ganhei as ilustrações do Ramiro Bernabó. Mas o curioso é que elas foram feitas na medida para este livro.

Podemos dizer que você homenageia paisagens que conhece ou viagens que gostaria de fazer?

José Inácio: Sou um peregrino do ser e da unidade, sou um viajor do sertão e do cosmos, frequento as esferas do delírio. Você pode dizer tudo.

Enfim, eis um poema do Garatujas Selvagens:

PRIMAVERA NA CAATINGA
 Tudo ver e se erguer
dentro de uma canção
com cheiro de vida,
alegria de pássaro
que voa na caatinga.
Agora e sempre
é tempo de semear belezas,
flores de angicos,
 cheiro de umburanas.
Estou sempre lutando
por sorrisos presentes
que façam ecoar
poesia entre os dentes.
Tudo me impele ao próximo.

[1]

Publicou os livros Códigos do silêncio (Salvador: Letras da Bahia, 2000), Decifração de abismos (Salvador: Aboio Livre Edições, 2002), A terceira romaria (Salvador: Aboio Livre Edições, 2005), A infância do Centauro (São Paulo: Escrituras Editora, 2007), Roseiral (São Paulo: Escrituras Editora, 2010), Pedra Só (São Paulo: Escrituras Editora, 2012), Sete (Rio de Janeiro: 7Letras, 2015), Entre a estrada e a estrela (Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2017), Garatujas selvagens (Cajazeiras: Arribaçã Editora, 2021) e as antologias 50 poemas escolhidos pelo autor (Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2011) e O galope de Ulisses (São Paulo: Editora Patuá, 2014).

Organizou Concerto lírico a quinze vozes – Uma coletânea de novos poetas da Bahia (Salvador: Aboio Livre Edições, 2004), Sangue Novo – 21 poetas baianos do século XXI (São Paulo: Escrituras Editora, 2011) e Concerto lírico – 15 poetas 15 anos depois (Guaratinguetá: Editora Penalux, 2019). Publicou os CDs de poemas A casa dos meus quarenta anos (Salvador: Aboio Livre Edições, 2008) e Pedra Só (Salvador: Aboio Livre Edições, 2013). Foi coeditor da revista literária Iararana (2004 a 2008). Participa das antologias Pórtico Antologia Poética I (Salvador: Pórtico Edições, 2003), Sete Cantares de Amigos (Salvador: Edições Arpoador, 2003), Roteiro da poesia brasileira – Anos 2000 (São Paulo: Global, 2009), Autores Baianos: Um panorama 2 (Salvador: P55 Edição, 2014) Orillas de América Literaria – Poesía Brasileira Contemporánea (Cachoeira: Portuário Atelier Editorial, 2020) e Poemas de amor e guerra (Rio de Janeiro: Villa Olivia, 2020).

No exterior, participa das antologias Voix croisées: Brésil-France (Marselha: Autre Sud, 2006),  Impressioni d’Italia – Piccola antologia di poesia in portoghese con traduzione a fronte (Nápoles: U.N.O., 2011), En la otra orilla del silencio – Antologia de poetas brasileños contemporáneos  (Cidade do México: Unam / Ediciones Libera, 2012), Traversée d’océans – Voix poétiques de Bretagne et de Bahia (Paris: Éditions Lanore, 2012), A Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua (Maputo, 2013) e Mini-Anthology of Brazilian Poetry (Placitas: Malpais Review, 2013).

Coordenador e curador de vários eventos literários, como a Praça de Poesia e Cordel, na 9ª, 10ª e 11ª Bienal do Livro da Bahia (2009, 2011, 2013), em Salvador, o Cabaré Literário, na I Feira Literária Ler Amado, em Ilhéus (2012), e a Flipelô – Festa Literária Internacional do Pelourinho (2017, 2018, 2019), em Salvador, assim como os projetos A Voz do Poeta (2001) e Poesia na Boca da Noite (2004 a 2007), ambos em Salvador, e Uma Prosa Sobre Versos (2009 a 2014), na cidade de Maracás-BA. Tem sido convidado, com frequência, para vários eventos por todo o Brasil.

Em 2018, esteve na Cidade do México, a participar do VIII Festival de Poesía Las Lenguas de América, representado o Brasil e os países de Língua Portuguesa, e em Cartagena das Índias, na Colômbia, onde participou dos festivais de poesia XXII Festival de Poesía de Cartagena e Sílaba de Agua – Fiesta de la Palabra y las Artes. Recentemente participou do XXVIII Festival Internacional de Poesía de Bogotá e do XIII PoeMaRío Festival Internacional de Poesía en el Caribe, em Barranquilla, Colômbia. Tem poemas traduzidos para alemão, árabe, espanhol, finlandês, francês, inglês e italiano.

Créditos HL

O texto acima é de autoria de Paula Akkari. A revisão é de Fernando Araújo. A edição é de Nicole Ayres, Editora Assistente do Homo Literatus.

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