Uma estranha na cultura – o que fazemos com esse mundo cheio de informações à disposição

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Seleta de crônicas de Carol Bensimon busca saber o que fazemos com tanta informação disponível nessa cidade que sempre muda de rosto

Carol Bensimon

Ela se tornou uma estrangeira na cidade, ou essa que ficou estranha pra ela. Experiências dentro e fora de onde crescemos mudam a nossa percepção, e foi assim com a autora – como é com todos nós. Mas não era só perceber um canto pelo qual passava batido anos atrás, nem se aborrecer com a falta de um lugar onde cultivou boas memórias. No caso da Carol Bensimon, autora da seleta de crônicas Uma estranha na Cidade publicada pela Dublinense em 2016, a gente não sabe mais quem ficou irreconhecível para quem.

Anos e prioridades vão e vêm, a necessidade de caminhar fica. Pode ser por aquelas calçadas de sempre (mas o que esse prédio está fazendo aqui? Só tinha uma casa mais velha do que a gente nessa quadra, ergueram condomínios da noite para o dia), até podemos parar na lanchonete da esquina, do jeito que ela vive cheia deve ser boa. É verdade que não tem tanta gente andando nesse espaço e em quase lugar nenhum, até porque nasce mais carro do que calçada para pedestres, mas ainda tem como andar por aí, tentemos. Tem comida à venda, estamos salvos. Quer dizer, quase… Houve um tempo em que comer era mais fácil, até pastel de rodoviária era consumível, mas hoje a gente recebe tanta informação que fica em dúvida com a marca da água, e nem sabe qual produto light vai salvar o nosso precioso corpo da gordura e da culpa em não se alimentar corretamente.

Como nem sempre nos achamos nessa cidade “nova”, que de tão correta não tem mais pegadas, onde antes eram justo elas que marcavam território. E as caminhadas da Bensimon não vão apenas pelo espaço físico, mas também pelo terreno dos costumes. No mercado há dúzias de shampoos e cremes dentais à venda com discurso científico embelezando a publicidade, fazendo companhia a outros produtos tão saudáveis quanto, mesmo que a gente nem sempre saiba o que comprar nesse mundaréu de informações embaladas.

Na crônica Os descuidados 90, temos a visão dessa década em que desvios realmente podiam ser chamados assim, pois “dos rebeldes foram tirados as causas e os ícones; não há contracultura possível quando algo que nasce espontâneo vai parar em uma vitrine de shopping em um tempo ínfimo” (p.27). Além disso, naqueles anos o visual e o som eram menos limpos, e ir a um bar nem sempre significava a retomada do espaço público, nos quais o cardápio sonoro é tão grande que as produções locais, cada vez mais abundantes, ficam tão estereotipadas a ponto de dar a impressão de que qualquer um monta uma banda e a divulga, ao contrário de um tempo em que o consumo exigia mais de quem o buscasse.

Essa é um dos muitos textos onde transparecem as marcas autorais de Carol Bensimon enquanto cronista, após incursões na ficção com Todos nós adorávamos caubóis(2009) e Sinuca embaixo d’água (2013). O tempo atual como é, desde a cidade onde quem envelheceu nela se sente perdido até a cultura mestiça e pré-fabricada à exaustão, não é ruim, pior, nada de sentimentalismo tacanho na onda “no meu tempo que era bom”. Uma das amostras disso é que, em mais de uma crônica, Bensimon cita livros e artigos escritos em inglês, os quais contextualiza de acordo com o tema, do urbanismo à sexualidade. Além de reconhecer o local onde vive após ter absorvido o conhecimento do mundo “lá fora”, se questionando quais os destinos do que tivemos e temos, a preocupação dela é o que fazemos nesse mundo remodelado com infinitos balcões de venda e costumes às vezes descartáveis, à maneira das embalagens dos produtos que consumimos – mas essas têm destino certo na imponente metrópole, enquanto seus habitantes vão ter que se reinventar pra não serem estranhos por aqui.

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