Gabriel García Márquez precisou morrer para que eu lesse um livro seu.
Só depois que o colombiano faleceu, em abril deste ano, é que me dei conta de nunca ter lido nenhum de seus escritos. No dia seguinte a sua morte, Luiz Bras escreveu texto no jornal Folha de São Paulo em que confirmava o autor como um grande contador de histórias. Dizia-se que Gabo (se me permitem a intimidade) narrava suas histórias com a mesma paixão que sua avó lhe contava fatos fantásticos na infância, sendo esse período a matéria-prima de toda sua produção literária. Em tempos tão conturbados, quem não quer voltar a sentir-se um menino maravilhado com uma história contada de maneira magicamente simples? Decidi conhecê-lo por Cem anos de solidão, seu livro mais famoso.
De fato, visitar Macondo e os Buendía foi uma experiência fantástica, assim como também é classificada sua linha literária (embora ele questionasse tal definição). Família iniciada com a união de dois primos que gerou uma profusão de Aurelianos e José Arcádios. Nomes iguais, algumas semelhanças, comportamentos diferentes, todos destinados a uma implacável solidão.
Lembro-me de quando elegi Riobaldo como um dos personagens mais marcantes que eu havia conhecido nos livros. Quando fui apresentado a Melquíades, posso dizer que esse sentimento se repetiu. O profeta que escreveu cada linha da história de Macondo. O mágico que leva à aldeia objetos que atraem matéria metálica, como se desse vida a coisas estáticas. Um desbravador visionário que impressiona a todos ao ser deteriorado por um escorbuto e voltar rejuvenescido por uma arcada dentária removível.
Todas as coisas são assim descritas, dando a um ímã ou uma prótese dentária a magia que perderam com o passar do tempo ou lembrando-nos do quão incríveis são os dispositivos facilitadores do nosso cotidiano. Todos eles, como o próprio García Márquez dizia, estão aí, sendo mágicos por natureza. Nós é que viciamos nosso olhar e deixamos de enxergar a magia das coisas.
A história é cíclica, constata Úrsula, genitora da primeira geração dos Buendía. Os homens de sua família se repetem, não apenas nos nomes, mas também no modo de agir, sendo sempre curiosos e solitários que se surpreendem com as invenções que chegam do mundo exterior. O gelo, o trem, a pianola, os tapetes voadores.
Uma história para adultos narrada no ritmo de uma história para crianças. Ao tentar acelerar a leitura, a narrativa nos amarra, arrastando-nos para as entranhas de Macondo, convencendo-nos de que talvez tenhamos de ficar lá para sempre. Com certo atraso e com muito pesar, agora digo com certeza, que o mundo perdeu um grande contador de histórias.
O ano de 2014, aliás, vem sendo implacável com sujeitos pertencentes a essa estirpe.