O guri atrás do balcão agradece
Um minuto em qualquer banca pode ter mais do que os produtos a venda. Jornais com ofertas milagrosas de concursos públicos, revistas de fofoca, mangás, livros a ‘deizão’. É, uma dessas coisas pode servir. Mas é melhor uma paçoca, um chocolate, uma água, uma porção de amendoins, qualquer coisa para subornar o estômago até chegar em casa. Claro que tem um risco de comprar um chocolate meio derretido ou uma paçoca em farelos, se tá na rua, tem dessas, mas e daí, a ideia é enganar a fome, não bancar o degustador gourmet da praça. A pessoa entra na banca, escolhe o tira-gosto e uma palavra diz tudo: ‘quanto?’, ‘dois’, responde o vendedor. A nota troca de mãos, ‘valeu, guri’.
Já ouvi dessas. Talvez eu também seja o cliente ideal dessas bancas: entro, escolho, pago e desapareço, se fico dois minutos em uma banca por causa para recarregar o cartão de ônibus é muito tempo – para mim, que espero a máquina do vendedor completar a carga enquanto o vejo atender duas pessoas simultaneamente. Salvo pequenas mudanças, o tratamento é o mesmo: valeu, piá, ou apenas ‘valeu’.
Não é exclusividade das bancas da Praça Rui Barbosa de Curitiba, tampouco daquelas onde se pode carregar o cartão de ônibus, o que força uma parada de dois minutos em vez de trinta segundos. Em um golpe de sorte, se pode topar com gente simpática e até espontânea, longe de conversa de caixa de supermercado ou um daqueles serviços onde a gente é atendido por uma pessoa de gestos forçados e com um sorriso parafusado no rosto. Pode ser que o cara que diz ‘valeu’ o faça por prática, vá saber se por conta própria ou graças a um supervisor que empurre um mínimo de simpatia, talvez esteja acostumado ao piloto automático de atender quatro pessoas de uma vez, olha lá chegaram mais duas, isso aí é um e cinquenta, e o agradecimento, às vezes, ignorado.
Isso me lembra de alguns empregos que tive, em especial daqueles onde eu falava com um manobrista de estacionamento, um carregador, um carteiro, qualquer funcionário da empresa que atendia aquela em que eu trabalhava, alguém tão linha de frente quanto fui. O contato era suficiente para colecionar o vocabulário, e nessa já fui chamado de guri, piá, piazinho, patrão, patrãozinho, parceiro, brother, camarada, chefia, mestre, até de senhor, e mais umas que já esqueci, misturando o tratamento comum a quase todos com a troca de ironias (às vezes, gentilezas) típica da convivência. É quase como em uma música meio velha: “comandante capitão tio brother camarada, chefia amigão desce mais uma rodada”. Ainda não chegamos no bar e a rodada vai esperar um pouco, mas para cada um que desce o degrau e sai da banca, cedendo espaço para o próximo, o guri atrás do balcão agradece. ‘Valeu, guri’.