Vermelho cor de sangue na obra de José Ferraz de Almeida Júnior

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O livro A morte no fim do mundo explica por que a obra do pintor José Ferraz de Almeida Júnior não é reconhecida como deveria

Pinacoteca de São Paulo
Pinacoteca de São Paulo

Pinacoteca do Estado de São Paulo. Percorra todas as salas, aprecie lentamente cada uma das obras em exposição. Ao final, caso lhe proponham escolher as cinco de que mais tenha gostado, provavelmente entre elas estará o quadro Saudade, ou estará o quadro Leitura, ou o quadro Caipira Picando Fumo, ou ainda O violeiro, todos eles pintados por José Ferraz de Almeida Júnior. Destaque entre os artistas brasileiros do século XIX, Almeida Júnior, certa vez visitado em seu atelier por Dom Pedro II, não tem hoje o nome devidamente reconhecido por quem seja leigo ao estudo das artes. É só fazermos um teste: saiamos às ruas e nos lancemos ao desafio de perguntar às pessoas se já ouviram falar de Portinari (nome inclusive emprestado a um perfume), de Tarsila do Amaral ou de Almeida Júnior. A despeito do talento, da grande produtividade e embora tenha pintado temas populares, Almeida Júnior seria certamente o nome mais ignorado. O livro A morte no fim do mundo, de Domício Pacheco e Silva, nos ajuda a entender por que o nome do pintor não teve fôlego para atravessar o século com o adequado reconhecimento.

Nascido no ano de 1850, em Itu, interior de São Paulo, Almeida Júnior foi estudante da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), no Rio de Janeiro, e depois seguiu para Paris, onde Monet, Renoir, Pissaro, Degas e outros faziam efervescer o impressionismo. No Brasil, eram tempos em que vigoravam a pintura histórica, da qual faziam parte trabalhos como Independência ou Morte, de Pedro Américo, e Batalha do Riachuelo de Victor Meirelles. A obra de Almeida Júnior é portanto original no sentido de ter se afastado do que Luís Martins, crítico de arte, denominava de “transplantação, em estilo de ópera, de todos os Horace Vernet pintadores de batalhas”. Nesse aspecto, conforme indica o livro de Domício Pacheco e Silva, “no país essencialmente agrícola em que vivia, o ituano foi, curiosamente, o primeiro pintor a sentir a influência da terra. Apresentou, então, o personagem que vinha passando despercebido, quase negligenciado: o homem que semeava, colhia, secava e ensacava o café. Mostrou-o como ele era na realidade mais flagrante: pobre, humilde, rústico, mas profundamente humano (…) O pintor se destacou não só pela forma evidente com que levou o caipira para suas telas, mas também pela coragem de colocá-lo como elemento único, valorizando-o como representante de uma cultura que merecia maior respeito.” Mas aí então veio o episódio que aniquilou o curso de uma carreira artística singular.

Na tarde de 13 de novembro de 1899, na frente do Hotel Central, em Piracicaba, Almeida Júnior foi assassinado. Uma faca lhe perfurou o pescoço. Juca Sampaio, o assassino, era marido de Maria Laura, de quem Almeida Júnior era amante. Muito além do efeito óbvio de ter paralisado a produção de um pintor que, com 49 anos, tinha ainda muito tempo para ampliar e consolidar seu legado artístico, o crime de certa forma prejudicou e obscureceu

Saudade, quadro de Almeida Júnior
Saudade, quadro de Almeida Júnior

a divulgação e os estudos sobre a obra de Almeida Júnior, na medida em que o nome dele passou a ser associado irremediavelmente ao escândalo passional (tal como ocorreria com o escritor Euclides da Cunha alguns anos depois). Ademais, instaurou-se verdadeira tática de encobrir tudo o que dizia respeito aos envolvidos, o que se verifica no julgamento instantâneo do assassino, que, alguns meses após o fato, foi absolvido pelo fundamento de ter agido em defesa da honra. O tema virou tabu, e o pintor, um artista maldito. Assim então que A morte no fim do mundo, além de apresentar curiosidades interessantes, como é o caso do processo de criação do quadro Caipira picando fumo, é acima de tudo um livro que pretende resgatar a importância de Almeida Júnior, trazendo-o à tona e o apresentando a quem nunca dele ouviu falar.

Pinacoteca do Estado de São Paulo. Quando estiver defronte ao quadro Saudade, pintado pouco tempo antes da morte de Almeida Júnior, repare bem nas lágrimas que saltam de um dos olhos da mulher retratada: são lágrimas que significam a perda impossível de reparação.

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