Vida Querida, o último livro de Alice Munro, vencedora do Nobel de Literatura em 2013

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Alice Munro

E esta coisa complicada que é comparar uma e outra. Jamais cometeria a indelicadeza de chamar a tia Munro de “Tchekhov canadense”, pois ela tem qualidade o suficiente para se sustentar sozinha como grande escritora que é. Mas é claro que é um detalhe impressionante ela só ter escrito contos, a vida inteira, numa época em que mercadologicamente (e ela sabe disso, pois é dona da maior rede de livrarias do Canadá) é preciso que você escreva um romance para existir no mundo editorial. E ela existiu. Escreveu umas coisas como as do Vida Querida, assim, cotidianas.

E este último livro dela – que saiu agora no fim de 2013, pela Companhia das Letras –, de certa maneira, não foge à regra. Embora exista uma variação, pois além dos contos, são dez, Munro ainda inseriu quatro relatos, precedidos pelo nomeação Finale, que, segundo ela, são “as primeiras e as últimas – e as mais íntimas – coisas que eu [a Munro] tenho a dizer sobre a minha vida”.

Mas antes os contos, depois os relatos.

Todos eles, os contos, possuem cenários que remetem às cidades do interior do Canadá. Há sempre um estranhamento, como o de quem vai da cidade para o interior ou vice-versa.

No primeiro conto, por exemplo, Que chegue ao Japão, o leitor acompanha a narração em terceira pessoa, bem próxima à protagonista, Greta, que está entrando num trem. Ela segura Katy sua filha pequena e, pouco a pouco, vai se esclarecendo para onde vai, quem é, donde vem. Seu marido, Peter, naquele verão foi passar um mês a trabalho em Lund, “o ponto mais ao norte que dava para atingir no continente”. E Greta recebeu o convite de ocupar a casa de uma amiga em Toronto, que passaria um mês de férias na Europa. Então a história se entrelaça com uma memória, de Greta indo à uma festa, duma revista onde tinha publicado uns poemas, e sendo ignorada, até que um Harris lhe “socorre”. E também há Greg e Alice, um casal que ela conhece no trem, mas que descobre não serem mais um casal, e que vão se separar. Logo, o que poderia parecer complicações para Greta é tratado apenas como o cotidiano, sendo que um dos momentos mais assombrosos do conto é quando a pequena Katy se perde, justo na hora em que sua mãe estava “quebrando as regras”.

Outro conto que gostaria de destacar chama-se Trem. A história de Jackson, um ex-soldado de guerra que segue em busca duma oportunidade, até que chega à casa de Belle, uma mulher do interior, cuja casa está caindo aos pedaços. Em troca de moradia, Jackson começa a consertar o local. Há uma tensão na história que vai do começo ao fim, embora sem erotismo, sobre o que se tornará a relação dos dois. Especialmente neste conto surge uma intertextualidade quando Jackson fica sabendo que o pai de Belle escrevia um romance histórico na época em que morreu. E a descoberta segue-se do seguinte trecho: “O que o intrigava, apesar de que ele não pretendia deixar isso transparecer, era por que alguém ia querer sentar e fazer outro livro, no presente. Hoje”. O protagonista lança esta pergunta – será um questionamento da autora a si própria?

E a última parte do livro, já mencionada, reúne os tais quatro relatos, possivelmente, autobiográficos. Inclusive, o que dá título ao livro, Vida Querida, que assim como os outros trata da relação de Alice Munro, ainda jovem, com a família. As história se concentram, principalmente, em sua mãe, sempre moralista e interessada em manter certo ar “civilizado” e de superioridade sobre as outras famílias. Fato evidente neste trecho de Vida Querida: “A frivolidade de tal ato seguramente estava além da capacidade dela [da mãe]”. Mas fora isso, os relatos autobiográficos se parecem com os contos, a voz narrativa não se diferencia muito, e isso confunde realidade e ficção.

vida_querida_munroVida Querida, de Alice Munro – Prêmio Nobel de Literatura em 2013 – possui um cotidiano que chega a ser assombroso, com um domínio da história que faz o leitor pensar: eu leria qualquer coisa que ela escrevesse. A tia Munro consegue transformar algo simples em incrível, com total domínio do conto.

Vida Querida
Alice Munro
Companhia das Letras
320 páginas
2013

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