Ler o que um integrante de uma banda fala é um tiro no escuro. Pode ser em uma entrevista ou um post no site da banda, metade das vezes (ou mais dependendo da sua paciência) é um discurso previsível demais, “olhem como fui um desgraçado ferrei com todos montei a banda de novo blablabla”, e vá saber quantas camuflagens o sujeito cria para o próprio ego ou a busca por grana.
Às vezes, o papo é realmente sobre música, entre uma sincera busca por identidade musical e uma leve autoafirmação, esta tolerável quando você não se cansa rápido de ler sobre algo que já conhece (desde quanto alguns enfiaram a cabeça nas drogas ou o quanto elaboram climas introspectivos porque o são em alguma medida) e aquela mutante e capaz de pregar uma boa peça, às vezes pedindo novas audições até entendermos ou gostarmos de vez das canções, como aqueles livros que a gente precisa revisitar ou ler outros antes de sacar bem a ideia.
Nessa bagunçada procura por saber mais de algumas bandas, me surpreendi ao ler diários de tour e de gravação. Me pareceram bem mais soltos e honestos, sem necessidade de inventar uma boa resposta para entrevista. Um dos que mais gostei foi o do Bloodbath, formada por integrantes do Katatonia e outras bandas que um belo dia resolveram tocar Metal feito aquele ouvido quando moleques – sujo, pesado e com as guitarras parecendo motosserras. No ‘diário’, postado no site do Bloodbath, um dos guitarristas conta dos ensaios e até de um leve desapontamento, porque quando começaram ficou claro que o “baixista” não tocava em um baixo há meses. E ainda tinha uma banda inteira para aquecer.
Outra boa surpresa foi o livro Purgatorial, de Fernando Ribeiro, vocalista do Moonspell. A edição brasileira é uma coletânea de três livros de poesia dele lançados em Portugal, onde mora, e outros materiais. As poesias me pareceram uma cruza de referências do Metal e da Literatura, com uns detalhes meio HP Lovecraft ou Fernando Pessoa e sei lá o que mais o Ribeiro leu. Ótimos versos, mas não foram eles que me fizeram gostar do livro.
Foram as crônicas da tour. Ribeiro via os demais do ônibus da tour dormindo enrolados feito gatinhos enquanto ele, alto sujeito, quase fazia acrobacias apenas para andar de pé; como certos lugares e públicos são, o lado duro da vida em tour; os mercados a serem atingidos. E vínculos. De conviver com pessoas vistas apenas na temporada de caça e dividir confidências e intrigas com elas, de alguma dificuldade em ler as emoções nos rostos dos alemães – tão receptivos quanto exigentes -, a dúvida em alguns próprios passos, essas coisas.
“O que os traz aqui, o que me traz aqui, quem nos colocou nos caminhos uns dos outros. Por que gostamos uns dos outros?”. Não sei. Vejo a prática de escrever aqui no Homo Literatus e na Escotilha como uma ponte em eterna construção, sem ideia se e como pode ser usada. Empresto mais palavras dele para definir, o que ele conta de fazer o show me soa válido para muitos campos: “estamos reféns de um voto de confiança com um desconhecido que um dia nos ofereceu sua atenção”.