Violência como Tensão e Choque em Contos de Dalton Trevisan e Rubem Fonseca

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Rubem Fonseca entrega e Dalton Trevisan esconde: os detalhes de tensão e choque nos contos

Rubem Fonseca: um grito diante da tensão de seus contos

A temática do cotidiano é muito recorrente na literatura contemporânea. Dentro dela, destaca-se a questão da violência. Isso pode ser observado nos contos Penélope e Uma Vela Para Dario, de Dalton Trevisan, Passeio Noturno e O Cobrador, de Rubem Fonseca. Partindo-se da abordagem comum da violência do cotidiano, será feita uma análise comparativa dos quatro contos, para demonstrar que a narrativa de Trevisan é mais focada na tensão pela omissão de detalhes enquanto a de Fonseca é mais impactante pela explicitação de detalhes.

Em Penélope, um casal de velhos, não nomeados, vive uma rotina tranquila. Pouco se sabe sobre sua vida, apenas é insinuado que houve uma tragédia no passado em que seus dois filhos morreram. No presente, o evento que desestabiliza a monotonia diária é o recebimento de uma carta anônima. O conteúdo não é revelado: duas palavras, que são lidas por um e por outro. A mesma carta é enviada a eles semanalmente. Deduz-se que seu conteúdo é de acusação contra a velha, provável referência a uma traição, o que desperta os ciúmes do marido. O velho, enquanto observa a mulher coser, faz uma analogia com Penélope, da epopeia Odisseia, pondo em dúvida a aparente inabalável fidelidade da personagem. Ele passa a atormentar a velha com suas desconfianças. Chega a comprar um revólver. A arma é usada pela mulher para cometer suicídio. Ele fica sozinho, repetindo para si mesmo que sua ação foi justa, tentando abafar os “gritos do silêncio” com a leitura em voz alta do jornal.

Uma Vela para Dario tem como protagonista o personagem-título, que, apesar de nomeado, não recebe descrição física ou psicológica. Ele está andando na rua quando, de repente, passa mal, agoniza e morre estendido na calçada. Isso atrai a atenção dos passantes, que se aproximam para ajudar ou surrupiar objetos. Não se sabe ao certo de quem partem as boas ações e os furtos, sendo possível até que as mesmas pessoas que auxiliem de algum modo, por outro lado também se aproveitem da situação. A cada parágrafo,

Dalton Trevisan
Dalton Trevisan

são tomadas decisões, como chamar a ambulância ou transportar o corpo, enquanto um objeto do morto desaparece. O fato é que ninguém toma total responsabilidade do acontecimento, a solidariedade é parcial, encontra-se nos limites da falta ou do excesso de humanidade, e é sempre acompanhada de um gesto egoísta.

O conto Passeio Noturno, dividido em duas partes, é narrado em primeira pessoa, por um homem, a princípio, comum, que leva uma rotina entediante com sua família. À noite, ele sai com o carro para relaxar. Seu hobby consiste em atropelar pessoas aleatórias em estradas desertas, com requintes de crueldade. Na Parte I, o personagem e seu mórbido prazer são apenas apresentados. Na Parte II, ele se detém sobre uma vítima específica, que conhece no trânsito. O homem a leva para jantar e, ao deixá-la em casa, assassina a mulher com o carro. Ele é frio e calculista. Volta para casa, pronto para retomar a rotina. A violência é, assim, naturalizada.

O protagonista de O Cobrador, outro conto em primeira pessoa, também é um assassino, porém mais seleto e ideológico. Ele se caracteriza como um justiceiro, pronto para cobrar os seus direitos, aqueles que acredita lhe terem sido negados pela sociedade capitalista. Tem fetiche por armas, de maneira semelhante ao fetiche por carros desenvolvido pelo personagem de Passeio Noturno. Alimenta sua raiva com a TV, que anuncia produtos que ele não pode comprar. Quando conhece uma jovem rica, porém revoltada, com quem se envolve, acredita ter conseguido guiar seu ideal de rebeldia para uma causa social. Os dois planejam um grande atentado, apenas anunciado na narrativa, que termina antes de revelar as consequências.

A violência cotidiana é estetizada nos contos em questão por uma linguagem elíptica, que produz suspense e tensão, no caso de Dalton Trevisan, ou por uma linguagem explícita, que provoca choque e terror, no caso de Rubem Fonseca. Três dos contos são permeados por referências artísticas mais ou menos evidentes. O próprio título de Penélope, justificado como elemento da imaginação do personagem do velho, remete a uma obra canônica: o cotidiano banal é reinterpretado por um viés literário. O narrador de Passeio Noturno enxerga seus assassinatos como uma obra de arte, apreciando os sons, cheiros e efeitos de luz causados pelo carro durante os atropelamentos. O Cobrador é um poeta, faz versos com crítica social.

Os personagens, em geral, não são nomeados ou caracterizados. Também não há uma explicação plausível para os atos violentos, ainda que o velho tenha recebido a carta e O Cobrador se sinta injustiçado, o prazer extraído pela crueldade com o outro é aleatório. A violência pode vir de qualquer lugar, de qualquer um, sem aviso prévio; pode estar tão imersa no cotidiano a ponto de passar despercebida.

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