Viver mais de 25 anos é uma insensatez: ‘Viva a música!’, de Andrés Caicedo

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Depois de mais de três décadas, chega ao Brasil Viva a música!, único romance do escritor colombiano Andrés Caicedo – que se suicidou com vinte e cinco anos de idade

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Andrés Caicedo

Poucas pessoas na Colômbia sabiam que Andrés Caicedo era escritor quando, aos vinte e cinco anos (04 de março de 1977), cometeu suicídio. Os jornais o mencionaram como um crítico de cinema – “talvez a voz de maior autoridade nesta matéria que falava ao país”, disse o El Pueblo. Havia sido o fundador da revista Ojo al Cine, do Cine Club de Cali e da Ciudad Solar, um casarão ao estilo The Factory, de Warhol, onde tomou força uma das vanguardas da sétima arte colombiana. Envolveu-se com teatro e música.

Após receber a prova de seu primeiro e último romance, Viva a música!, Caicedo tomou sessenta comprimidos de Seconal, morrendo de overdose. Segundo ele, “viver mais de vinte e cinco anos é uma insensatez.” Sua obra seria uma forma de provar sua existência e transcender.

De fato, é o que vemos no romance.

 

Viva a música! Ou uma beatnik colombiana

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Viva a música! (Editora Rádio Londres, 2015)

O romance é narrado em primeira pessoa, um relato que jorra na voz de uma adolescente que começa a sair de casa e frequentar noitadas de festa e música. Talvez seja um equívoco compará-la aos beatniks – a geração de Kerouac e Ginsberg – posto que, desde o começo, ela deixa claro que a geração dela não tem um propósito. Não parece, como os beats, proposta a derrubar algo que está pré-estabelecido. A única coisa que procuram é esta badalação, a vida que precisa ser aproveitada.

Há cinco encontros essenciais e que vão representando a mudança na vida da personagem, além de serem os fios que ligam a trama que se esconde sob a linguagem. O primeiro deles é com Mariângela, uma jovem que está há mais tempo na noite. Ela irradia um brilho próprio, atrai os homens com sua presença e sua dança, mas quando eles se aproximam, acaba por repeli-los, por gritar e por explodir com eles. É em quem a narradora se projeta, além de ajudá-la a romper com a sua infância, representado por um jovem que é seu amigo desde criança, Ricardito, o miserável.

É através de Mariângela também que a narradora conhece Leopoldo, um jovem guitarrista que chegou há pouco tempo dos Estados Unidos. Neste relacionamento, ela acaba aprofundando seu conhecimento musical, até mesmo melhorando seu domínio das músicas em inglês, coisa que antes tinha dificuldade e da qual se envergonhava. Mas chega um momento em que larga dele, indo viver com um dos personagens mais inverossímeis, se comparado à realidade, porém que funciona muito bem na ficção: Rubén.

Ele empresta os discos para tocar nas festas. No entanto, quando todos estão bêbados, sai pela casa roubando os discos que encontra. Parece uma versão musical dos poetas-ladrões que habitam os livros de Roberto Bolaño.

O último personagem-enredo do romance, daqueles que vai conduzindo a narradora de um ponto a outro, é Bárbaro, um sujeito das ruas. Vive de dar golpes nos turistas que vêm à Colômbia para se aproveitar das drogas e do turismo barato. Neste momento, quase temos a esperança de que a narradora irá ter algum ideal anti-imperialista, mas ela apenas acompanha e participa dos embustes de Bárbaro.

Viva a música! é um romance que tem todas os defeitos e as qualidades de um livro escrito por um bom escritor de vinte e cinco anos. Mas justo por ser uma obra única, parece-nos precipitado comparar o autor a Kurt Cobain ou Roberto Bolaño. Não por a narradora se expressar como uma jovem após os dezesseis anos – neste sentido Caicedo é perfeito –, sim por ser mais um romance de formação, o qual poderia preceder outras obras dignas de um gênio. Possui uma linguagem impressionante, cenas bem construídas – com exceção da que a narradora compara o vômito do amigo às cores da bandeira da Colômbia: vermelho, azul e amarelo (pg. 145) – e uma grande personagem.

E claro, pode ser lido como um testamento de amor à música.

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