Como Shakespeare está presente e influencia a Literatura até hoje
Poucos escritores podem se orgulhar de serem imortais e William Shakespeare, definitivamente, é um desses. Morto no começo do século XVII, suas obras se espalham até os dias de hoje, como o romance (adolescente?) entre Romeu e Julieta, a loucura branda de Hamlet e citações marcantes. Mas Shakespeare vai além disso: ele influencia a maneira como as personagens e as estórias são desenhadas, em várias épocas, contextos e lugares.
Uma das características principais de uma personagem shakespeariana é o “teatro individual” que ela desempenha. As personagens têm traços marcados e a estória gira em torno de suas jornadas individuais. Podemos pensar em Macbeth e sua peça sobre a traição, mas também podemos pensar em Harry Potter e seu teatro de redenção da família assassinada. O individualismo do “teatro” começa já no título da saga, e permanece quando todos os eventos estão relacionados e circundantes a Potter – assim como a Macbeth, ou a Hamlet, por exemplo. Ou Ulisses, de James Joyce.
Outra característica de Shakespeare é que ele introduziu na dramaturgia a noção de que o Homem é dono do seu próprio destino, e não Deus. O Homem pode escolher. Muitos anos depois, teríamos Jean-Paul Sartre criando o existencialismo e retomando esta noção. Em sua trilogia Os Caminhos da Liberdade, Sartre explora ao máximo todas as possibilidades de escolha das personagens, incluindo as consequências delas: angústia (como em Ofélia), loucura (como em Hamlet), e assim por diante. Lógico que Sartre explorou este tema em níveis mais profundos, mas não podemos deixar de creditar a Shakespeare a vanguarda deste tipo de pensamento.
Outra inovação de Shakespeare na literatura foi a introdução de várias camadas sociais em uma mesma estória. De nobres a prostitutas, todos convivem e interagem entre si. Esta inovação permitiu a ampliação das narrativas e, com isso, surgiram grandes escritores: Charles Dickens e seu Oliver Twist, Victor Hugo e Os Miseráveis, e isso só para citar os primeiros que me vieram à mente. Esta inserção da parte social nas estórias também permitiu que existissem mais conflitos, pontos-de-vista e perspectivas nas estórias.
E, por fim, não podemos esquecer que Shakespeare começou a introduzir a noção de superação e tragédia. Em suas peças, é preciso superar dificuldades físicas e morais, e o desfecho quase sempre é um acontecimento solenemente triste. O Rei Lear precisa superar o dilema moral de ter sido traído por duas de suas três filhas e acaba louco. Otelo torna-se um vilão e assassina a própria esposa. Pensando em superação e tragédia, me vem à mente O Diário de Anne Frank ou O Menino do Pijama Listrado, de John Boyne. Ou a tragédia de Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf.
O exercício agora é ir além: olhe na sua estante e avalie quantas obras que estão ali tem influências shakesperianas. E, quando te perguntarem se você já leu Shakespeare, você pode responder que sim, de um jeito ou de outro.