Walt Whitman: Folhas de relva disparadas nos redemoinhos do vento

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Com Folhas de relva, Walt Withman influenciou nomes como Ezra Pound, Allen Ginsberg, demais poetas da Geração Beat e muitos outros.

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Em 1855, vinha à luz das publicações o livro Folhas de relva, de Walt Whitman, obra que virou um clássico da Literatura Universal. O autor nasceu em 31 de maio de 1819 e morreu em 26 de março de 1892. É importante salientar que a biografia do poeta é bastante extensa, portanto, a escreverei aqui de maneira um tanto resumida. Whitman foi carpinteiro e tipógrafo, nascido numa família humilde do Brooklyn. Com apenas 13 anos, ingressou no Long Island Star. Convivendo com os redatores desse jornal, o jovem acabou interessando-se por política e também simpatizando com as ideologias do partido democrata. Além de tipógrafo, carpinteiro e jornalista, também foi professor itinerante, ministrando aulas em várias escolas de Long Island. Faz-se necessário ressaltar que, apesar de ter atuado como docente, o próprio Whitman pouco frequentou a escola. O poeta era um autodidata que ia a bibliotecas públicas; que venerava a música, principalmente, as óperas; além de ser um espectador assíduo de peças teatrais.

Em 1848 foi demitido do jornal Eagle do Brooklyn, no qual era editor-chefe. Nesse mesmo ano conheceu Sam McClure, sócio do jornal The Crescent, que lhe ofereceu um emprego de correspondente em Nova Orleans. Tal proposta mudou radicalmente a vida do poeta, uma vez que a cidade do pós-guerra estava no auge de sua efervescência cultural. A experiência acrescentou novas informações e inesquecíveis aventuras a Whitman, que permaneceu 3 meses nesse emprego. O poeta retornou para Nova York e em 1850 editava o Daily News. A partir de 1852, sua atividade jornalística diminuiu bastante Em 1854, o escritor concentrava-se nas anotações que fazia em seus cadernos de rascunhos. Estavam nascendo aí suas Folhas de relva.

A primeira tiragem do livro chegou ao público no ano de 1855. Uma edição bancada pelo próprio autor e por uma pequena editora do Brooklyn. Na capa sequer se lia o seu nome, apenas havia uma foto de Whitman vestido de operário. O livro de 95 páginas apresentava 12 poemas, sendo 6 com o mesmo título: Leaves of Grass. Os outros poemas não tinham títulos, sem contar o incomum prefácio de 10 páginas, praticamente uma “plenitude de pensamento” ( Paul Zweig). Em 1892, ano da morte do poeta, Folhas de relva já estava em sua nona edição e muito já tinha se modificado. A cada nova publicação, Whitman acrescentava poemas, tirava outros, alterava versos e estrofes.

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Rua da casa de Walt Whitman em Camden, Nova Jérsei (1890)

O que fez de Folhas de relva um clássico foi a sua linguagem caótica, seu vocabulário eclético, minado de expressões cotidianas e, até mesmo, de gírias distribuídas em versos desprovidos de rimas, em linhas livres e longas, cheias de paralelismos, verbos flutuantes e substantivos fixos. Além da revolucionária “arquitetura” do poema, também chamam a atenção os temas abordados na obra: um verdadeiro “leque de assuntos vastos”. Em Folhas de relva, Whitman escreve sem pudores sobre o corpo:

“Eis a forma feminina,/ um ninho divino exala de si da cabeça aos pés,/ atrai com atração furiosa e irrecusável…/ Cabelos, peito, quadril, curva de pernas, mãos caindo distraídas- todas difusas…” (pagina 177);

Sobre o desejo heterossexual e homossexual:

“Vinte oito moços tomando banho na praia/ Vinte oito moços e todos tão amigos,/ Vinte oito anos de uma vida feminil e todos tão solitários.” (página 57);

Sobre a igualdade:

“Camarada de todos os que apertam as mãos e convidam pra beber e comer/ Um aprendiz entre os mais simples, e um professor entre os mais sábios,…/ sou de cada raça e cor e classe, sou de cada casta e religião,/ Não só do Novo Mundo mas de África Europa ou Ásia… um nômade selvagem…” (página 67);

Sobre a guerra:

“Os feridos e mutilados cavavam a cova… os que chegavam os viam ali;/ Uns moribundos tentavam se arrastar pra longe dali,/ Estes eram despachados à baioneta ou espancados com a coronha dos mosquetes…” ( página 101);

Sobre a política:

“Você conseguiu sua vingança, velho embusteiro!… A coroa voltou pro seu lugar e mais do que seu próprio./ Meta as mãos no bolsos, Tio Sam… a partir de hoje você é um homem feito,/ você é mesmo esperto… e essas é mais uma de suas barganhas.” (página 199).

Sobre o duplo:

“Creio em ti, minha alma… o outro que sou não deve rebaixar-se diante de ti./ E tu não deves ser rebaixada diante do outro./ Fica à toa comigo na relva… solta esse nó da tua garganta./ Não quero palavras, música ou rima… nem hábitos nem sermões, nem mesmo o que há de melhor,/ Amo apenas a quietude, o sussurro de tua voz modulada.” ( página 49)

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Walt Whitman no verão de 1880

E escreve também, é claro, sobre a relva, a grande alegoria do poema. Paul Zweig, biógrafo de Whitman, acredita que a imagem da relva tenha nascido a partir e uma leitura bíblica, mais exatamente da passagem do livro de Isaías. Em tal trecho, Isaías diz que “toda carne é relva, depois de uma estação morre.” Segundo Zweig, a relva de Whitman “renasce; e as folhas de relva- aqueles hieróglifos do eu, aquele livro que não é livro, de poemas que não são poemas- também eles renascerão, se o leitor condescender em reuni-las.”

Whitman fez de Folhas de relva uma poética narrativa completa. Não foi à toa que o escritor influenciou nomes como Ezra Pound, Allen Ginsberg, demais poetas da Geração Beat e muitos outros. Criador de uma poesia inventiva e corajosa, que estava atenta aos homens e à história de seu tempo, Whitman nos deixou suas folhas de relva – o poema além da vida. Talvez por isso Whitman assim conclui seu livro:

“Grande é a vida… é real e mística… seja aonde for e o que for,
Grande é a morte… Certa como a vida junta todas as partes, a morte junta todas
as partes;
Certa como as estrelas retornam depois de fundirem-se na luz, a morte é tão grande
quanto a vida.” (página 209)

 

Referências:

Whitman, Walt. Folhas de Relva. Tradução e posfácio de Rodrigo Garcia Lopes. São Paulo: Editora Iluminuras, 2014.

Zweig, Paul. Walt Whitman. A formação do poeta. Tradução de Ângela Melim e Eduardo Alves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1984.

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