Welcome to Copacabana é a estreia de Edney Silvestre no conto
Edney Silvestre aos poucos vai firmando sua carreira no terreno literário: afinal, ganhou os prêmios Jabuti e São Paulo de melhor romance em 2010, o que não é qualquer coisa. Apesar de ainda ser mais conhecido como jornalista, nada impede que desponte, logo, como um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea. Agora em 2016, resolveu encarar outro campo da escrita literária, fazendo sua incursão no universo do conto, com o lançamento de Welcome to Copacabana e outras histórias.
São 20 narrativas curtas que, nesta publicação da Ed. Record, brindam o leitor com 351 páginas duma escrita bastante competente. O volume foi planejado com senso de unidade, principalmente pela ligação entre a última e a primeira história. Lembrou-me um conselho do saudoso Autran Dourado, em Breve Manual de Estilo e Romance. O genial escritor mineiro, falecido em 2012, aconselhara ali que não se buscasse escrever simples coletâneas de contos, mas sim volumes de histórias cuja temática as interligasse de alguma forma. Realmente esse entendimento costuma resultar em belíssimos livros como: Risíveis Amores (de Milan Kundera) e Dublinenses (de James Joyce). Em Welcome to Copacabana, tal concepção também dá bom fruto.
Os contos de Edney foram agrupados nas partes “No Rio”, “Além do Rio” e “De volta ao Rio”. Apesar da autonomia de cada história, lê-las na ordem em que são apresentadas nos leva a uma fruição estética a mais. É como se fizéssemos um grande percurso pelas questões do ser humano e depois fôssemos reconduzidos a nosso ponto de partida – porém chegando à origem transformados pela viagem que a leitura nos proporcionou.
No belo “Welcome to Copacabana” (narrativa que dá título ao volume), somos apresentados a Regina, viúva classe média, com seus dramas íntimos, amargurada por uma perspectiva de futuro que não ocorreu, por um passado de promessas que não se concretizaram. Família, convenções, moralismos, hipocrisias, conveniências sociais: é isso a existência humana? A vida deve ser assim?
Destaca-se ainda a narrativa “Ben que olhava o trem”, talvez a melhor de todo o livro. Abordando a classe pobre, paupérrima até, o autor demonstra sua plena capacidade de transitar pelos mais diversos ambientes. Trata-se dum texto verdadeiramente universal, tocante, profundo; social sem ser maniqueísta, panfletário ou didático. Silvestre respeita a inteligência do leitor, deixando-o livre para refletir e tirar da história a mensagem que puder conceber por si próprio. Um escrito forte, daqueles que nos deixam intrigados e pensativos. Dificilmente esquecemos o personagem Ben, violentado, frágil psicologicamente, com mãe prostituída, largado no mundo. O sobrenatural se insere na história de maneira inusitada, mas se encaixando nela de modo perfeito num inesperado e feliz casamento entre a crueza naturalista e o Realismo Fantástico. Um primor!
Lamentavelmente, o conto “Aquela Menina” se torna hermético pelo excesso de referências e pelo que o escritor supõe que o leitor já saiba. Falava o romancista Esdras do Nascimento (1934-2015) a esse respeito: a obra literária não pode necessitar duma bula para esclarecer os leitores sobre referências externas que contém. “Aquela Menina” é apenas um amontoado de reminiscências pessoais sobre uma moça cujo destino não nos parece claro. Cita-se o nome dos integrantes dos Beatles e versos duma canção. No futuro é provável que se insira uma série de incômodos pés de página para explicar as citações. Mesmo hoje talvez já sejam necessários, visto que Silvestre têm sido publicado na França, Alemanha, Holanda, Portugal, Itália, Sérvia e sabe-se mais lá onde. Os Beatles são universais? É discutível. Eu, por exemplo, em termos de roque inglês, prefiro a banda Crass. Alguns não conhecem? Então porque outros teriam obrigação de conhecer “Beatles”?
Por falar em pés de página e citações, esses elementos são usados com maestria no conto “Madame K.”. As múltiplas referências externas ali não prejudicam, pois se dão de maneira a não comprometer o entendimento de públicos distantes (temporal ou espacialmente). E os pés de página são literários-autorais, obra do próprio Edney Silvestre, ou melhor: da interessantíssima personagem Madame K.
A segunda parte do livro, chamada “Além do Rio”, se inicia com a bonita história “Não tocam mais Edith Piaf em Paris”, a qual recoloca em cena a protagonista do primeiro conto, colaborando com a unidade estética do volume que agora nos leva numa viagem pelo mundo. Da França seguimos para a Itália, onde acompanhamos “Pedro em Paestum”, boa e tensa narrativa envolvendo personagens da alta burguesia.
Destaque também é o magnífico “Dentro da Guerra”, que mostra o conflito bélico pela perspectiva de quem o vive como uma realidade cotidiana. Raros no Brasil escreveram algo tão intenso e desconcertante. Também são pontos fortes os contos “Me tirem daqui”, “Sílvio trabalha” e “Noite no Texas”.
O grande mérito do livro Welcome to Copacabana é a variedade de personagens apresentada, todos muito bem caracterizados. Eles se mostram cheios de verdade e nos fazem ver o mundo por óticas diferentes, o que, inclusive, vem a ser uma das funções da literatura e da arte em geral.
Vida longa à arte de Edney Silveste!