Whisner Fraga resenha seu conto predileto: “Tarde da noite”, de Luiz Vilela

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Foto-Whisner-PBO conto se inicia com um casal em uma cama e com um telefone que toca em um criado no quarto escuro. O homem atende e aos poucos é levado para um mundo estranho e ao mesmo tempo instigante. Luiz Vilela sempre trabalha com paradoxos e diálogos. Ficamos sabendo que, do outro lado da linha, uma moça afirma que vai se matar e que ela deseja que alguém a convença a não fazer isso. Evidentemente, ele pensa que é tudo brincadeira, mas a dúvida o leva a conversar seriamente. Há tempos não sentia o coração pulsar tão rapidamente, aquele frio na barriga, aquela emoção da juventude e, de repente, é ele que não deseja que aquela conversa não acabe mais.

Então, o homem repensa sua própria vida de decisões pretensamente equivocadas enquanto tenta convencer a moça de que tem um futuro à frente e que não é sensato colocar fim à vida dessa maneira. O problema é que vai ficando claro que acredita cada vez menos nisso. Assim, a conversa segue pela madrugada, enquanto a esposa, cansada e rabugenta, não se interessa por dramas alheios e insiste para o marido desligar, que não se acorda alguém assim de madrugada. Vamos percebendo que o homem se envolve com a moça e pensa até, quem sabe, que está tendo um caso.

Não há grandes argumentos, as falas são simples, corriqueiras e o papo prossegue até que, em determinado momento, a garota desliga e não se pode saber mais nada.

Vilela usa, desde seu primeiro livro, o recurso do diálogo. Para mim, o diálogo é uma forma complicada de representar a realidade e a menos verossímil, mas tenho no escritor mineiro um expert nessa arte. Opta pela norma culta para reproduzir uma oralidade que em nada se parece com a língua escrita. Funciona, mas é bom que o leitor tenha em mente que, por mais que se esforce para se aproximar da fala, é apenas uma tentativa frustrada. É uma fantasia dentro de um mundo de ficção. As conversas são lineares, um interlocutor não interrompe o outro, como se fossem um algoritmo, que obedece a uma ordem preestabelecida. Os diálogos na vida real nunca são assim. Mesmo com todas essas ressalvas, não há dúvidas de que o grande mestre neste quesito, na literatura brasileira e até em termos mundiais, é Luiz Vilela.

 

Trecho do conto Tarde da noite, de Luiz Vilela

“Olha, senhorita, sabe que estou quase desligando o telefone?
Pode desligar. A responsabilidade é sua.
Responsabilidade porque?”, falou irritado.
Porque minha vida está em suas mãos.
Ah é né?
Sério. Não estou brincando. O senhor não percebeu ainda? Que minha vida está em suas mãos?”

 

Trecho do conto x, de Whisner Fraga

“[…]ao ríspido guincho do fusca, que empregávamos para as aulas de volante, quando os trâmites da embreagem desafiavam a coordenação dos seus pés encolhidos nas havaianas, afif, quando um galho amputado se interpunha na promiscuidade entre o pneu e o asfalto e os pelos de duas meninas se ouriçavam com o zurro descautelado do ramo partido e estacionávamos para analisar aqueles seios ressabiados nos coldres do poliéster e da lycra, as convocávamos para um sorvete e também para um cinema, onde aproveitaríamos uma que outra cena umbrosa na insignificância da fita para atacar o crepe daquelas coxas juvenis e quem sabe conquistar a mercê de um beijo. entretanto, afif, o mocinho da película acalcava a inquietação do negrume de um quarto sem janelas ou lâmpadas ou mesmo lampiões ou velas e nesta hora eu interpelava a arrelia dos flashes na mansidão da tela, os olhos escapando da agilidade da palma, que investigava a angustiante morfologia do joelho, daquele pontifício joelho representando a aflitiva transição para o âmbito das responsabilidades. contudo, afif, a ansiedade bordejava pelos subterrâneos da garganta, preparando o sobressalto de um grito e a glutinosa serenidade de um toque a ponderar os estratagemas do zíper de minha bermuda, era a sua audácia, garota, rompendo os entraves até ao termo do que julgava sua obrigação, quando você recolheu o fantoche da glande embrulhado com a casca daquela novidade ondulante e eu já comprovava a vantagem dos filmes em preto e branco para o encobrimento de peripécias. a rebeldia tentacular bamboleando a carenagem do sexo até à catastrófica descarga escalando as suas mãos, menina, e você a emborcar os dedos na língua, extirpando as evidências daquele incidente, para em seguida me oferecer o lenço, para depois hastear a saia e afastar com o desatino do polegar as rendas da lingerie e com o indicador encorajar uma morosa confidência com o prazer.”

 

Whisner Fraga é professor, engenheiro e escritor. Autor dos livros Coreografia de danados, A cidade devolvida, As espirais de outubro, Abismo poente, O livro da carne e Sol entre noites. Site: www.whisnerfraga.com.br.

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