Nada de O Som e a Fúria, Palmeiras Selvagens ou Enquanto Agonizo, o Faulkner que se trata aqui hoje é o autor de uma história infantil comovente – o que não o faz menos merecedor de seu Prêmio Nobel de Literatura conquistado em 1949.
Escrita em 1927, a novela infantil A Árvore dos Desejos surgiu quando Faulkner ainda maquinava o cenário que viria ser a localização de seu principais livros, o condado de Yoknapatawpha. O escritor americano havia passado uma temporada em Paris e acabado de publicar seu primeiro livro, Soldier’s Pay. Um de seus passatempos era contar histórias para crianças. Segundo dizem, era especialista nas de abóboras e Halloween. Mas a ideia para A Árvore dos Desejos só viria após ser demitido de seu emprego numa agência de correios, por ler demais. Conta-se também que Faulkner escreveu esta história para presentear os filhos de amigos, em aniversários. Então em abril de 1967, a novela veio a público no jornal The Evening Post. Três dias depois, a editora Random House publicou uma edição ilustrada do texto, sendo esta a maior referência até hoje.
A história
Se alguém “virar o travesseiro de lado antes de pegar no sono, tudo pode acontecer”. No dia do aniversário de Dulcie, ela é acordada por um estranho menino ruivo, chamado Maurice. Ele a convida para irem até a árvore dos desejos. E acompanhada de seu irmão caçula, Dicky, da criada Alice e do amigo George, partem nesta estranha viagem. Uma das perguntas que guia o interesse do leitor é: o que Maurice tirará de sua sacola? Ou até mesmo, quem é Maurice? Tudo ganha um ar esquisito e mágico quando o menino retira um pônei da sacola e assopra até que ele possa ser montado. E no decorrer da viagem, outros personagens passam a integrar a comitiva, como o simpático velhinho Egbert, que alega saber onde fica a árvore dos desejos, pois já esteve lá mais de cem vezes; e um soldado desiludido com a guerra, que acaba por produzir um diálogo cômico com o velhinho, apenas perceptíveis aos olhos de uma criança.
Quando um grande escritor escreve uma história infantil
O próprio começo da história, ainda que Faulkner a tenha escrito antes de seus grandes livros, lembra ao leitor que está lendo uma história deste escritor. O tom onírico, remetendo a uma sensação líquida para o que se conta, é sentido no ponto de partida da história:
“Ela ainda estava dormindo, mas podia sentir-se emergindo do sono, tal e qual um balão: era como se fosse um peixinho dourado em uma redoma de sono, subindo e subindo pelas águas quentes do sono para a superfície. E então acordaria.
E assim ela acordou, mas não abriu os olhos de imediato. Em vez disso, continuou deitada, na cama, quente e quieta, e era como se houvesse dentro dela um outro balãozinho, que se enchia mais e mais e subia e subia. Acabaria chegando em sua boca, de onde escaparia num soluço para ir bater contra o teto. O balãozinho dentro dela, ao aumentar de tamanho, deixava todo o corpo e seus braços dormentes, como se ela tivesse mastigado, momentos antes, uma folha de hortelã. ‘Que será que era aquilo’, ela estranhou, de olhos bem fechados, tentando lembrar do dia anterior”.
A “sensação de infância” que toma o leitor é instantânea, caçando nos meandros da memória aqueles momentos que parecem tão distantes. Somente um escritor com uma poesia interna, como o Faulkner, consegue ativar conexões emotivas como estas.
Considerações Finais
E você se pergunta: por que um adulto leria uma história infantil?
E uma das respostas, aquelas que mais me atrai, é: para lembrar que a infância não está tão longe, que não somos tão adultos assim, tão prepotentes a ponto de dispensar uma parte tão profunda de nós mesmo.
Você deveria embarcar nesta viagem, uma viagem até A Árvore dos Desejos.
A Árvore dos Desejos
William Faulkner
Editora Cosac Naify
56 páginas
2009
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Este pertence à série Livros que você precisa conhecer, que busca apresentar ao público obras de grandes escritores, não tão conhecidas assim, embora estes livros tenham despertado uma profunda conexão emocional nas pessoas que as leram. E o Homo Literatus traz a você estes testemunhos.