A tristeza é cômica nas mãos de Wyslawa Szymborska

Esta senhora de nome difícil (pronuncia-se algo como Vissuava Chembórska) é ganhadora do Nobel de Literatura de 1996. No entanto, em terras brasileiras, é um tanto desconhecida. Produto humano da história conturbada pós-guerra e da dominação comunista russa sobre a Polônia, Szymborska esquiva-se de qualquer rótulo existencialista por achá-los todos muito sérios e por preferir o riso ácido da ironia, elemento que marca fortemente sua obra poética.
Primeira Foto de Hitler
E quem é esta gracinha de tip-top?
É o Adolfinho, filho do casal Hitler!
Será que vai se tornar um doutor em direito?
Ou um tenor da ópera de Viena?
De quem é essa mãozinha, essa orelhinha, esse olhinho, esse narizinho?
De quem é essa barriguinha cheia de leite, ainda não se sabe:
de um tipógrafo, padre, médico, mercador?
Quais caminhos percorrerão estas pernocas, quais?
Irão para o jardinzinho, a escola, o escritório, o casório
com a filha do prefeito? […]
Nem mesmo as estrelas escapam ao olhar sutil por sua beleza inalcançável e inútil, tão inútil que não influem por gravidade em qualquer de nossos temas cotidianos. Conversas, brigas e guerras são feitas seja dia, sem a presença do astro ou noite, quando estamos sob sua luz. Aliás, sobre as guerras, poucos podem fazer um cenário tão banal da destruição, como uma manhã de ressaca de vinho. A poeta é tão diversa que conversa com tantos outros autores que conhecemos bem, como Drummond, Bilac ou João Cabral de Melo Neto e a pedra. A tristeza é cômica em suas mãos.
Excesso
Foi descoberta uma nova estrela,
o que não significa que ficou mais claro
nem que chegou algo que faltava.
A estrela é grande e longínqua,
tão longínqua que é pequena,
menor até que outras
muito menores que ela.
A estranheza não teria aqui nada de estranho
se ao menos tivéssemos tempo para ela […]
Não há questionamentos maiores que os que fazemos vez por outra por medo de nunca encontrarmos resposta; como postos em: quem sou eu e o que estou fazendo aqui? a poeta decide enfrentar a fronteira das dúvidas e não dar qualquer resposta como mote de trabalho. Um falar muito simples sobre temáticas enormes, por desgostar de palavras grandes – decisão acertadíssima. Junte-se a isto o fato de ser a sua, uma língua cheia de ameaças consonantais. Sua obra questiona a ciência das estrelas e das relações humanas. Questiona como poucos a posição descabida e desencaixada dos poetas. É tão atual quando ironiza tanto leitores quanto os não-leitores de poesia e ironiza até mesmo a nossa busca tão verdadeiramente humana por respostas finais e dadas feito ciência exata, de uma exatidão inexistente.
Alguns gostam de poesia
Alguns —
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.
Gostam —
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade,
gosta-se de afagar um cão.
De poesia —
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a esta pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.
Fonte dos poemas:
Szymborska, Wisława
Poemas / Wisława Szymborska; seleção, tradução e prefácio
de Regina Przybycien — São Paulo : Companhia das Letras, 2011