Olimpíadas de Tóquio 2020: quando Bach se encontra com o Funk

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Olimpíadas de Tóquio 2020: quando Bach se encontra com o Funk

Nas Olimpíadas de Tóquio, o encontro de uma música de Bach com um funk de Mc João representou a diversidade cultural do nosso país.

Johann Sebastian Bach

As Olimpíadas e o encontro de culturas no esporte e na música

É “chover no molhado” dizer que as Olimpíadas oferecem encontros entre diferentes culturas do mundo inteiro. Uma interação raramente vista em outra situação, com disputas e comemorações.

Tudo é, claro, levado na esportiva. Mesmo com um atraso devido à pandemia da COVID-19, o evento dos Jogos Olímpicos de Verão de 2020, ou Tóquio 2020, ocorreu entre os meses de julho e agosto de 2021 no Japão, reunindo atletas do mundo todo.

Mas um encontro entre essas culturas chamou a atenção em uma das competições. O esporte abriu espaço para a música e trouxe uma surpresa agradável. Foi na belíssima apresentação de Rebecca Andrade que o encontro entre duas gerações musicais muito distantes aconteceu. 

Bach e MC João

A ginasta inicia sua coreografia ao som de “Tocata e Fuga” de Johann Sebastian Bach, um grande clássico da música erudita. Ao longo da apresentação, há uma troca de passos, quando entra “Baile de Favela”, um grande hit de MC João, pegando todos de surpresa. Com a apresentação, Rebecca conquistou a medalha de prata – a primeira medalha do time feminino em Jogos Olímpicos.

Não foi preciso muito tempo para que a música entrasse nos Trending Topics do Twitter naquele 29 de julho, com os espectadores em fervorosa alegria ao ouvir um dos maiores hits do funk dos últimos anos sendo tocado em um lugar vigiado por olhares do mundo todo. Essa mistura realmente foi uma surpresa, mas não é rara. 

Sample

O sample – técnica de reutilização de uma gravação em outra gravação – é algo semelhante ao que fez o produtor musical Misael Junior, juntamente com o coreógrafo Rhony Ferreira. A técnica já existe há muito tempo e é comum ocorrer pequenas inserções de clássicos nas batidas do Funk e até em vertentes do Hip Hop. 

O próprio Bach já se fez presente em outra grande música do Funk, o “Bum Bum Tam Tam” de MC Fioti, recentemente revisitada para divulgar a vacina CoronaVac

“In the Hall of the Mountain King” de Edvard Grieg, dá os passos melódicos para “Mulher Kama Sutra” de MC Livinho. 

Até “Day Tripper”, dos Beatles, já esteve presente em “Dentro do Carro” de Kevin o Chris, mas foi tirada do ar provavelmente por questões de direito autoral. 

“Estragando” a música

Olhando para os exemplos, é muito interessante ver como o clássico se junta ao novo e ganha novas proporções. Porém, um sentimento chato e elitista sempre aparece vez ou outra: estão estragando a boa música. 

Muitos acreditam que estão destruindo o preciosismo artístico, que estão ofendendo a arte raiz. Mas qual é a arte raiz, se até Bach se utilizou de inspirações para suas criações? Estaria Bach estragando a música de verdade de Dieterich Buxtehude, um de seus inspiradores

Basta acessar a radioativa aba de comentários nos sites que noticiaram o encontro das duas músicas para perceber como há uma deturpação do que é ou não cultura. Particularmente, vejo essa discussão como algo ultrapassado ou perda de tempo. Esses encontros inusitados nada mais são do que a arte na sua forma primitiva. Transformação do meio, adaptação ao ambiente e pitadas de originalidade.

A cultura é viva

É importante entender que, gostando ou não, a cultura não é algo que se impõe à força. Ela é quase um ser vivo em constante movimento que representa um grupo ou região, levando em consideração seu passado, mas também aceitando seu presente.

Entre 2015 e 2016, quando “Baile de Favela” explodiu, o Funk ganhava cada vez mais público. A música de MC João, que referenciava os principais bailes da periferia de São Paulo, se tornou quase um hino daquele Réveillon no país.

O fato é que a apresentação de Rebecca Andrade mostrou ao mundo um recorte cultural do nosso país. Assim como fez Kevin O Chris, que teve sua música “Ela é do Tipo” gravada pelo Drake em 2019. Assim como fez Anita, ao lançar “Girl From Rio”, mostrando um Rio de Janeiro diferente do que esteve em “Garota de Ipanema”. Outros nomes já fazem isso, outros muitos já fizeram anteriormente. Causar o encontro entre dois pólos distintos é essencial na arte e no esporte. Rebecca fez nos dois.

Conclusão

Ver “Baile de Favela” surgir daquela forma e sentir a empolgação de ver algo tão nosso sendo mostrado para o mundo todo só reforça algo que deve ser sempre lembrado: devemos levar nossas produções para fora, mostrar nossos rostos e vozes e representar um país tão diverso quanto o Brasil é.

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