Pedaços de amor universal – Fraturas de Relações Amorosas, de Cláudio Portella

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As fraturas em questão são a grande epopeia subversiva do protagonista

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Foto: Brandy por MDMFL

“O amor!? O amor não deixa bilhete…”. Assim termina o livro Fraturas de Relações Amorosas de Cláudio Portella, fechando-o como se fecha a dormideira, planta sensitiva que se protege de predadores. No entanto, essa frase cabe muito bem no início auspicioso para a história e serviria com título perfeitamente.

As fraturas aqui em questão são a grande epopeia subversiva de Felipe, num paradoxo às grandes narrativas, tecendo suas aventuras amorosas como pequenos bilhetes bordados com a sensibilidade delicada do personagem.

39304_Capa_Fraturas de Relações Amorosas.inddO autor, Cláudio Portella, apoderando-se da voz de Felipe, tem uma linguagem concisa como o sabor destilado de um conhaque. Talvez em analogia ao veneno destilado ou estilado da serpente, numa construção semântica desse personagem para dizer coisas tão delicadas numa sociedade de preconceito e intolerância. Os fragmentos de amor falam da relação cheia de cumplicidade entre Felipe e Marcelo, que se traveste de Cassandra Campos. Mas a relação não termina nessa condição monogâmica de filmes de Hollywood. Vai além, pois o personagem flerta com Aparecida Calas, “uma mulher morena, balzaquiana, cabelos castanhos”.

O que vem à tona nesse triângulo amoroso é uma vida que se define por si só no seu caminho cheio de sinuosidades. Cassandra Campos é uma ativista que defende os direitos daqueles que vivem na margem do cotidiano enquanto Felipe tem a metade de sua idade e ainda mora com os pais. É de fratura em fratura que se constrói a fotografia urbana de uma cidade onde seus amantes andam livremente pelas ruas, ou num balcão de bar, ou nos braços de alguma prostituta. “Fidelidade e libido. Amor? Quem falou em amor? Sei apenas de nossos corpos e de nosso desejo de vencer, de sermos felizes, de afrontarmos todos, de comprarmos uma casa, um carro, de construirmos um lar.” – pág. 5. Nota-se que o direito deve pertencer a todos, sem exceção, pois amor não se declina como uma desinência de latim, mas é um palíndromo de quem ama, desculpando a redundância, mas para ser insistente, para dizer de inerências humanas que não deveriam ser segregadas por padrões sociais.

“Mas onde fica a história? Aquela história do poeta, “eterno enquanto dure”, para nós era uma piada sem graça. Eterno enquanto visceral, eterno dependendo do tamanho da entrega, do tamanho da dor, do tamanho da cama. Eterno!? Eterno enquanto eterno!” – pág. 13. Nessa verberação de tudo que exala cheiro de normalidade, o autor vai traçando o perfil crítico com pinceladas de tinta de fel para colocar o dedo na ferida do leitor, que talvez espere um romance shakespeariano de Romeu e Julieta. Em Fraturas de Relações Amorosas é proibido proibir. Essa é a tônica da voz principal no relato do romance, que está muito mais próximo de quem o lê cavando fantasmas, medos e instigando a levantar os olhos a olhar para aquele lado sempre ignorado da vida.

portella“A felicidade me esperava de ligas pretas e chicote.” – pág. 21. Assim, sem a submissão de reprimir os anseios do corpo e da alma, mas numa entrega singular, Felipe vive como vive um colibri, que se abastece na flor, num bosque, numa floresta de possibilidades. E é feliz, simplesmente, sem máscaras, sem rímel ou batom.

Não quero tratar do caráter conotativo da narrativa, para falar da temática sobre a qual a história se desenrola, mas sim sobre as questões essenciais humanas em que a dor não é menos dura numa determinada pessoa, numa cor específica de pele etc. Pois, “O tempo dá e rouba o sentido da vida.” – pág. 88. E enfiar o pé na lama é mais que essencial. É amar o que se é, o que se tem. Enfim, “Amar é (quem colecionou esse álbum de figurinhas?)” – pág. 95.

E as fraturas se completam, numa junção de palavras, numa fusão de sentido, numa mimetização do sentimento com o ser, do ser com o lugar, do lugar com a história que se lapida em cada fragmento pelas mãos do autor e nos apresenta, no final, com uma completude. É a vida nua, crua e posta em páginas, que antes brancas e sem sentido, agora repletas de signos de como caminha a vida e como o amor pode ter muitas caras, e ainda continuar sendo amor, apesar de se quebrar como cacos de telha, e continuar intacto sob o teto da universalidade.

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É poeta, autor do livro “Lobisomem pós moderno”, em co autoria com o também poeta, Adenildo Lima, lançado em julho de 2012 pela Editora da Gente. Tem o poema “Batalha” publicado em antologia selecionada em concurso promovido pela secretaria de cultura de Guarulhos, em 2007. Pela Festa Literária Internacional de Pernambuco, FLIPORTO-PE, no concurso “Prêmio TOC 140”, tem dois poemas publicados em 2012 e 2013, respectivamente, por ficar entre os 100 melhores nessas duas edições. É formado em Letras, tem curso de Extensão Universitária pelo CEA, Centro de Estudos Africanos, USP. É contista, com obra variada a ser publicada em breve. Possui crônicas e contos publicados pela Câmara Brasileira do Jovem escritor. É crítico literário e escreve no blog “Tecer Palavras” cotidianamente.

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