Luisa Geisler indica Ernest Hemingway

0
Luisa Geisler indica Ernest Hemingway

“[…] a técnica de contos do Hemingway não tem igual. Quando precisei (preciso) ter uma referência de técnica, recorro a esse filho da puta”, afirma Luisa Geisler, com carinho, em meio à entrevista.

Nesta série de entrevistas que o Homo Literatus vem fazendo, em que convida escritores a indicarem seus autores preferidos ao público (veja as outras aqui), a convidada da vez foi Luisa Geisler, apontando Ernest Hemingway.

A Geisler é gaúcha, de 1991. Com vinte anos de idade, em 2011, ela ganhou o Prêmio SESC de Literatura na categoria “conto”. E em 2011, levou o mesmo prêmio, mas na categoria “romance”. Seus dois livros, Contos de Mentira e Quiçá, foram lançados pela Editora Record e foram finalistas do Jabuti – e ela já tinha aparecido aqui no site num LiteratusCast, quando comentários do pessoal a classificam como “gente boa” pra cima. Seu próximo livro, Luzes de emergência se acenderão automaticamente, sai pela Alfaguara em 2014.

Já o Hemingway é o Hemingway. É meio complicado falar do cara, e seus principais livros, você já conhece: O Velho e o Mar, Por quem os sinos dobram, etc. Ele foi um dos principais escritores do século 20. Ficou famoso pela concisão da sua escrita, mas também por suas histórias. O cara influenciou um monte de gente (inclusive muitos brasileiros, e O Globo já mostrou isso), escreveu uns livros incríveis, inventou uns drinques, se divorciou três vezes, e por fim se matou. Mas como diz uma de suas frases mais famosas: “O homem pode ser destruído, mas não vencido”.

Então bora saber o que a Luisa Geisler tem a dizer sobre ele:

***

Tá legal Luisa, só não me diga que você vai indicar o Hemingway por causa do conto O Gato na chuva?
LG:
Não, eu vou indicar por causa do Hills like white elephants, DUH. Afinal, o conto é lido em qualquer oficina de criação literária e/ou buteco.

Sim, mas perguntei porque aí o pessoal faz aquela cara de “oh, que genial”, engole, porém a maioria não entende.
Contudo, antes de irmos para a tua indicação, me fala um pouco como foi tua primeira experiência de leitura com o nosso indicado.

LG: Acho que sim (sobre a maioria não entender). Gostaria muito de fazer um teste-cego com alguns autores uma hora dessas, pra ver a opinião geral sem saber quem escreveu…
Minha primeira experiência com Hemingway foi num momento entre o Ensino Médio e o curso de Letras (minha primeira graduação, que “larguei”). Uma amiga de escola tinha entrado na Letras (inglês) e contou que tava lendo Esse Cara. Daí me emprestou um livro de contos (traduzido e tal). Na época, eu me lembro que gostei de algumas coisas, não gostei de outras e meio que larguei o livro (risos da plateia). Mas nunca devolvi, e fui lendo volta e meia. Quando entrei na Oficina de Criação Literária da PUC/RS (com o Luiz Antonio de Assis Brasil), foi quando comecei a ler Hemingway com mais vontade e acabei me apaixonando por ele não só como contista, mas como romancista. Tive uma fase em que devorei tudo e gostei de tudo. Hoje, (gosto de pensar que) consigo relevar mais algumas coisas dele.

hemingway
Ernest Hemingway em Havana

Deixa eu ver se entendi, a ligação com Hemingway começa com um livro nunca devolvido (sua amiga que não leia isso), depois chega à oficina do Assis Brasil e aí acontece uma mudança. O que exatamente no Hemingway te chamou a atenção naquele momento?
LG:
(O livro nunca foi devolvido e eu comprei minhas próprias edições em inglês (pra poder riscar e tal). Tá lá em casa, bem cuidado. Juro.) Sim. Ninguém nasce leitor de Hemingway, tem que, de uma certa forma aprender a apreciar (ou aprender a entender). Acho que a maior mudança é que antes da oficina, eu não me considerava Escritora de Contos. Me considerava mais uma pessoa que escrevia troços porque lia de tudo (meio sem pensar no ‘gênero’). E a técnica de contos do Hemingway não tem igual. Quando precisei (preciso) ter uma referência de técnica, recorro a esse filho da puta.

Posso estar errado, mas na fase da literatura D.J. (depois de Joyce) tende-se a um investimento maior na linguagem em detrimento a “contar-se uma história”. O Hemingway, por sua vez, parece ir na contramão disso, optou por um texto mais transparente, e, mesmo assim, conquistou seu lugar, levando Nobel, etc.
LG:
Discordo da ideia de que o fato do texto ser mais transparente quer dizer que não tenha tanto investimento na linguagem. A linguagem é parte da caracterização da história, e nisso é difícil ser preciso como ele foi. Ele conseguia equilibrar muito bem ‘a história’ e a ‘linguagem’.

Esta questão da “precisão” é interessante no caso dele. Recordo de um trecho do Paris é uma festa onde ele expressa que para começar a escrever só precisava de “uma única frase verdadeira”. E há também várias declarações dele sobre a reescrita constante quando estava escrevendo uma história, como no caso de um de seus livros mais famosos, O Velho e o Mar.
Mas também há uma outra coisa que parece saltar aos olhos do leitor de Hemingway, uma espécie de “fúria” interior de alguns personagens.
LG:
Exato. O trabalho dele não está em agregar mais, mas de agregar o que tinha que ser agregado (o que muitas vezes pode ser eliminar algo).
Não sei se vejo os personagens de Hemingway com uma ‘fúria’ interna, mas com um fogo dentro. Não é necessariamente raiva: pode ser tristeza, tanta coisa. São personagens que fazem sentido, mas não fazem questão de se justificar. Muitas vezes, a surpresa vem dos personagens serem (como nós) pessoas normais, que não fazem questão de dizer “ah, fiquei triste!” quando algo ruim acontece. E então, quando se matam, é surpreendente, porque temos que procurar sinais dessa tristeza. Como nas pessoas reais.

hemingway2
“O homem pode ser destruído, mas não vencido”, Hemingway tornou-se imortal.

E como leitora do Hemingway, qual livro do cara você indicaria para o pessoal começar a lê-lo?
LG:
Recomendaria algum livro de contos. Não conheço como as edições brasileiras estão organizadas pra saber dizer QUAL (momento pensei-em-inglês ai que everything). Acho que dão um sentimento geral de como Hemingway funciona e, acima de tudo, é Hemingway jogando em casa. A farewell to arms (Adeus às armas) é o meu romance favorito dele, mas não sei se:
1) é o melhor dele;
2) se é o melhor jeito de começar.

Tenho a sensação que O Velho e o Mar é como a maioria das pessoas acaba chegando até ele, mas receio que não seja um bom livro para se começar. Então talvez o conselho seja somente: comece! Certo?
Algo mais que queira acrescentar sobre o Hemingway?
LG:
Pois é, o Hemingway tem uma obra bem consistente, mas é questão de ir testando. Dá pra catar contos pela internet. Mas, sim, o conselho geral seria começar mesmo.
Pra acrescentar… não sei? É um pouco perigoso quando se idolatra muito esse autor. Como comentei antes, ele é muito lido e a ideia de precisão acaba exacerbada. Gosto muito de Hemingway, ele é um dos meus autores favoritos, mas o estilo dele não funciona pra todo mundo ou pra todas as histórias. Destacaria isso, acho.

Não há posts para exibir