Um cão uivando para a lua (e para cada um de nós), de Antonio Torres

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Um cão uivando para a lua, de Antonio Torres, lembra as obras de Kafka e Gógol

antonio_torres_03Antônio Torres alcançaria mesmo a excelência como escritor apenas em 1976, com o romance Essa Terra, que, sem exagero, pode ser classificado como obra-prima. Mas a competência do artista já podia ser claramente vislumbrada logo em seu primeiro livro: Um Cão Uivando para a Lua.

Torres nasceu a 13 de setembro de 1940, no Junco (hoje Sátiro Dias), no estado da Bahia. De início sobreviveu de trabalhos braçais e posteriormente ingressou no jornalismo, trabalhando como repórter no Jornal da Bahia e, depois, na Última Hora (de São Paulo).

Sua estreia literária se deu em 1972. O impactante romance Um Cão Uivando para a Lua foi logo elogiado por Torrieri Guimarães, Marques Rebelo, Jorge Amado, Osman Lins, Marcos Santarrita, Edla Van Steen, Caio Fernando Abreu e outros.

A ideia inicial de Antônio Torres era simplesmente escrever uma narrativa curta sobre um louco que papeasse com si próprio. Porém a “conversa” se estendeu mais do que era esperado – extravasou os limites de um conto, abarcou outros personagens, rompeu os muros do hospício em que o protagonista se internara e resultou em um romance envolvente.

Tudo se inicia, de fato, com o personagem A. internado em um manicômio. Trata-se de um repórter que enlouqueceu após uma viagem à Transamazônica. É ele que começa falando conosco enquanto recebe a visita de T., profissional de televisão. Mas se engana quem pensa que a obra será inteiramente narrada em primeira pessoa. O narrador (como o personagem) é muito doido (o que nos lembra um pouco “Diário de um Louco”, de Nicolai Gógol) e direciona a história de maneira absolutamente multifacetada e não linear.

No fundo a ideia original do monólogo não desapareceu de todo, pois o personagem T. é uma espécie de contraponto ao inadaptado A., o que nos sugere que talvez eles representem duas faces de uma mesma pessoa – um indivíduo a conversar com si mesmo.

As iniciais A. e T. nos remetem explicitamente ao nome do escritor. Há traços autobiográficos? Sim, certamente, mas, como romance, tudo nele é verdade e também não é. As características de A. e T., mais do que simples traços da personalidade de Antônio Torres, refletem aspectos da própria condição humana.

A referência a inicial do nome do escritor também nos lembra Franz Kafka, cujo romance O Castelo tem como protagonista o agrimensor K. Este, aliás, ao contrário de outro personagem kafkiano (Joseph K.), não tem nenhum nome além da letra que o define. Como alguém pode se chamar simplesmente A.? Ou T.? Absurdo? E o que dizer da senhora X. que surge no capítulo 4 deste Um Cão Uivando para a Lua? Esses não são dos mais aparentemente despropositados aspectos da história. Vale lembrar que tudo se inicia como narrativa de um maluco, a qual vai abarcando aos poucos toda a realidade.

A realidade, aliás, é que se mostra – de fato – insana. O livro nos põe cara a cara com uma sociedade asfixiante que nos obriga a mediocrização, traição pessoal e aceitação de tudo sem questionamentos. T. adere aos valores da classe dominante, vai trabalhar na televisão, abandona a arte por completo, esquece qualquer preocupação com o bem comum, perde todo o senso crítico e só busca amealhar mais e mais dinheiro – seu castigo é a eterna e íntima insatisfação com si mesmo. A. se recusa a bajular patrões e governo, age eticamente e sofre por isso. Como viver de forma autêntica, sincera e justa num mundo em que só hipocrisia, falsidade e ganância são valorizadas?

O livro não responde a isso. Só joga a pergunta. E aí, que resposta você dá?

FONTES:

Paiol Literário – Antônio Torres, no Jornal Rascunho, acessível em: http://rascunho.gazetadopovo.com.br/antonio-torres/;

TORRES, Antônio, Prefácio do autor ou Como uivar para a Lua numa noite sem a menor possibilidade de estrelas, em: www.antoniotorres.com.br/resenha_umcao.html;

_______________, Um Cão Uivando para a Lua. São Paulo, Editora Ática, 1982.

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