Uma lista de filmes que certamente vai fazer você ver a literatura de formas muito diferentes
Uma coisa é certa: não há profissão que inspire tantos personagens cinematográficos quanto a literatura. Evolução natural da história escrita, a arte do cinema produz milhares de filmes que retratam a literatura das maneiras mais diversas. Confira nesta lista algumas delas:
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Como forma de preservar a família – Adoráveis Mulheres
Little Women (na terrível tradução, Adoráveis Mulheres, o que ainda é melhor do que “Mulherzinhas”) é a adaptação fílmica do livro homônimo escrito por Louisa May Alcott em 1868. Com grandes nomes no elenco como Winona Ryder, Susan Sarandon e um Christian Bale rapazote, o filme une ainda a história de Good Wives, sequência do livro que retratava as meninas March em idade adulta. Mais do que uma família deliciosa, os March são um exemplo de alegria e boa vontade, enfrentando a guerra com a docilidade de um lar com quatro filhas mulheres, cujas angústias e questionamentos são imortalizados pela pena de Jo, a irmã mais moleca. Apenas a literatura impulsiona Josephine para frente, levando-a de encontro ao amor e desbravando em si mesma o potencial que colocaria Alcott na história da literatura americana. A história dos March se assemelha profundamente com a história dos Alcott, e essa realidade apenas acrescenta à mensagem do livro, que eterniza os laços familiares e a doçura entre eles de maneira comovente.
Como causa social – Histórias Cruzadas
Histórias Cruzadas (The Help) é apenas um dos inúmeros exemplos de produções artísticas que exploram causas sociais, mas a maneira com que Skeeter Phelan (Emma Stone) olha para os negros durante a década de 60 nos Estados Unidos tem algo de particularmente especial. O filme, dirigido por Tate Taylor e lançado em 2011, consegue superar a passionalidade política de diversos outros, universalizando um tema revoltante e dando muito mais força a ele através da sutileza. Skeeter adentra o território sentimental das vítimas que retrata, analisando o cuidado com que as empregadas negras criavam as filhas das damas de sociedade, ela mesma uma criança de mãe negra por criação. Histórias Cruzadas é a adaptação cinematográfica do romance The Help, lançado no Brasil sob o nome A Resposta, e é a obra de estreia da americana Kathryn Stockett. Stockett escreveu o livro para homenagear Demetrie, babá afro-descendente que a criou como sua própria personagem. O filme rendeu a Octavia Spencer o Oscar de melhor atriz coadjuvante.
Como metáfora – 2046
Sequência não obrigatória de Amor à Flor da Pele (In the mood for love), 2046, produção franco-chinesa lançada em 2004, é uma bela celebração à imaginação e à melancolia de um amor perdido. Dirigido por Wong Kar-wai, o filme tem sequências belíssimas e arrisca a compreensão de um público menos atento, concentrando na metáfora o seu trunfo. O decadente escritor que o protagoniza frequenta uma pensão enquanto escreve o romance 2046, ficção científica que retrata um lugar de mesmo nome, do qual ninguém nunca voltou e para o qual sempre se vai em busca de amores perdidos. Na viagem interminável para sair de 2046, seu personagem interage com robôs e parece estar sempre ferido, até se apaixonar por um robô que se desgasta com o tempo, incapaz de responder aos estímulos do amante sem um atraso desencontrado. Vale a pena assistir Amor à Flor da Pele para desvendar os símbolos que se escondem em cada assento do trem que parte de 2046, mas não é necessário.
Como leitura de banheiro – Adult World
Não há apenas flores nesta lista, e é por isso que a comédia Adult World merece um lugar nela. Em Adult World (Vida de Adulto, 2013) a literatura não é tratada de maneira poética, nem mesmo quando Amy, aspirante a escritora que passou a vida dedicando-se a prêmios e bolsas literárias, desabafa para o pôster de Sylvia Plath enquanto planeja se matar. Longe de chegar ao extremo da poetisa, Amy foge de casa e vai trabalhar numa Sex Shop enquanto persegue o seu escritor favorito, o cínico Rat Billings. Depois de muita insistência e situações constrangedoras, Rat inclui uma poesia de Amy num livro, mas ele não é bem o que ela esperava. Fica claro que Amy é, afinal, uma péssima escritora, e é através da situação decadente em que ela se encontra que aprende a lidar com os próprios fracassos, abraçando a humildade que nunca teve. Um filme sobre amadurecer e superar os percalços de uma carreira tão difícil como a literatura, que sai do aspecto dramático para ensinar a rir das próprias tragédias.
Como forma de superar a morte – Virgínia
Twixt, lançado em 2011 por ninguém mais, ninguém menos que Francis Ford Coppola, é um dos filmes mais criticados da carreira do diretor. Sob o nome Virgínia no Brasil, o longa chegou faz pouco tempo no país e foi direto para as locadoras, não tendo sido exibido nos cinemas nem nos EUA. Apesar da resposta negativa da crítica, Twixt traz muitos elementos que não víamos tão magistralmente em Coppola desde Drácula de Bram Stoker: o longa é sombrio, enigmático, belamente gótico e visualmente admirável. Para a presente redatora, a história também não decepciona, mas ela parece estar em uma acentuada minoria. Twixt talvez seja um filme para escritores; o protagonista, o fracassado escritor Hall Baltimore (tido como uma “versão pobre” de Stephen King) chega a uma minúscula cidade para promover o seu livro. Lá, ele descobre que Edgar Allan Poe esteve na cidade e escreveu um conto baseado nela. Mal das pernas com as contas, Hall tem de escrever um romance que o tire da situação decadente em que está, e aos poucos a atmosfera sombria da cidade e até mesmo o fantasma de Poe o ajudam a descobrir a história que apenas ele pode escrever. Além de uma belíssima homenagem à literatura, o filme não deixa de reverenciar o próprio Poe, figura cativante e importantíssima para a trama.
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Como paixão – Angel
Angel Deverell, protagonista do Angel de François Ozon, não é a típica escritora vitoriana. Excêntrica por natureza, passional em todos os aspectos, Angel tem a intenção de se tornar uma escritora desde muito cedo, abandonando a escola e abraçando a fama e o dinheiro com ostentação e arrogância. Baseado no romance homônimo de Elizabeth Taylor (não a Cleópatra!), a história de Angel foi inspirada pela escritora Marie Corelli, e o filme de 2007 é dirigido de forma a lembrar um clássico, com passeios no carro sobre toscas telas verdes e sentimentalismos exagerados de acordo com a dramaticidade da própria Angel, interpretada belamente por Romola Garai. Ao conhecer Esme, artista obscuro fadado ao fracasso, a autora celebrada vive o auge da sua passionalidade, usando da literatura para sustentar e retratar a vida de sonhos que construiu para si mesma. Angel faz de tudo para modificar a realidade que vive, tomando atitudes controversas frequentemente, e diante da guerra e das traições de Esme, o seu mundo onírico desaba, sobrevivendo apenas nas páginas esquecidas pelo tempo. Como a paixão, sentimento que guia Angel por todos os momentos, o brilho da escritora é intenso e passageiro.
Como obsessão – O número 23
O número 23 marcou a estreia de Jim Carrey em filmes que não fossem comédias, e trouxe à tona uma longa e já desgastada tendência conspiracionista sobre números que se repetem. Ao ser presenteado com um misterioso romance sobre uma história de assassinato que gira ao redor do número 23, Walter Sparrow se torna obcecado pelo romance, e passa a achar que o autor, a trama e, principalmente, o número citado têm relação direta com sua vida. Enlouquecido pela sugestão, ele se torna perigoso antes de (alerta de spoilers) se descobrir como o verdadeiro autor do livro. Walter parece ser bem sucedido no ofício de escritor, e, se a literatura não agisse de forma tão forte sobre o seu juízo, deveria se dedicar a essa carreira. Além d’O Número 23, não é difícil achar filmes que tratem da literatura como possível obsessão, especialmente nas adaptações de livros de Stephen King (Misery, a Janela Secreta, O Iluminado). Isso valeria um post completamente novo, no entanto.
Como aprendizado – O Castelo dos Sonhos
I Capture The Castle (O Castelo dos Sonhos, 2003) é a versão fílmica do livro de mesmo nome publicado em 1948, e conta a história de uma família cujo patriarca, um recluso escritor que não escreve há décadas, se apaixona por um castelo e faz de tudo para morar nele. Cassandra, a filha do meio, segue os passos do pai e escreve todos os dias, tentando organizar na literatura as suas angústias e dilemas de adolescente. Com a chegada dos dois locatários do castelo, a irmã mais velha de Cassandra, Rose, tenta a todo custo casar-se com um deles para tirar a família da miséria, enquanto o pai, excêntrico e extravagante, se envolve em relações extraconjugais e não move um dedo para impedir a filha. Sentindo-se excluída da atmosfera adulta que se instaura, Cassandra experimenta o amor pela primeira vez numa confusão que separa as irmãs. É através da literatura, no entanto, que Cassandra luta para reerguer o pai, compreendendo a sua melancolia ociosa, e toma conhecimento sobre a própria natureza.
Como esperança – A Menina que roubava livros
Adaptação do best-seller homônimo, poderia se dizer que A Menina que roubava livros(2014) é uma ode ao poder transformador da literatura. Tendo a sua primeira perda representada por um livro, a pequena Liesel é adotada pelo casal Hubermann em meio aos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial na Alemanha. Analfabeta, Liesel aprende a ler com o incentivo do pai adotivo, o generoso Hans, interpretado por Geoffrey Rush. Os dois montam um universo particular no porão da casa, onde Liesel anota as palavras que aprende nos livros, e mais tarde, ao abrigarem um judeu refugiado, o cômodo torna-se o centro de uma família feliz que, debaixo da terra, guarda a esperança e a doçura de um país que se destrói vorazmente. No início apenas leitora, Liesel amadurece para tornar-se escritora, e é escrevendo que se salva da chegada da Morte, narradora mais que especial do filme. Apesar de cortar o coração, a história d’A Menina que roubava livros preenche-o, depois, de esperança.