Manoela Leão, criadora do festival Litercultura, nos conta do desenvolvimento do festival, que completou cinco anos de atividade este ano
Litercultura: um festival dividido em capítulos. Reescrito desde seu capítulo inicial, em 2013, o festival levou à Curitiba vários nomes da literatura nacional e até internacional, e explorou diversos formatos enquanto molda sua voz autoral, focada na literatura e no pensamento literário.
Manoela Leão, criadora do festival, nos conta desse foco e do desenvolvimento do festival:
1- Como o Litercultura nasceu?
2013 foi o primeiro ano do Litercultura– na verdade ele começou em 2012, que eu considero o nosso ano zero, quando começamos a pensar em como aproximar leitores e autores em comunhão com o ato de ler. O Litercultura é uma celebração à leitura e tem como propósito estimular as pessoas a criarem ou manterem os livros em suas vidas enxergando a importância disso.
Formamos uma pequena equipe de pessoas que já tinha experiências com leitura ou produção e contamos com muito apoio de empresas ou outras pessoas para montar um festival que já nasceu grande e mostrando relevância de conteúdo. Isso nos provou que havia uma necessidade e desejo por este tipo de encontro.
2- Em 5 anos o festival teve oficinas literárias, shows com José Miguel Wisnik e JardsMacalé, publicação de livro e outros eventos; além da divisão por capítulos, com mesas literárias antecedendo a semana do grande festival. Por que as mudanças na programação?
Durante os últimos anos estávamos livremente nos testando como formato de evento e também nos adaptando às realidades do país e orçamento. Estudamos, observamos, criamos e propusemos coisas diferentes, amadurecemos ideias mesmo mantendo a nossa linha principal, que é integrar a literatura a outras áreas da cultura e do pensamento como filosofia, sociologia, psicologia e também cinema, música, fotografia etc. Espero poder continuar inventando formas novas e manter o que acreditamos que funciona bem e faz sentido no diálogo com o público.
3- A edição deste ano teve um formato diferente dos demais, em que os autores foram à Curitiba para falar da obra de outros em vez da própria. Por que essa mudança? E por que abordar os latino-americanos?
Colocar o autor como leitor parece ter sido um grande acerto e pretendemos continuar nas próximas edições. Como nosso propósito é a leitura, nada mais coerente. Quando você assiste o Vladimir Safatle falando sobre o Roberto Bolaño, por exemplo, que foi o que aconteceu no primeiro dia do festival este ano, você sabe mais tanto do Bolaño quanto do Safatle. É o Safatle falando do Bolaño através do olhar dele e falando dele mesmo, como um espelho; além disso você tem a oportunidade de saber mais de literatura, de filosofia e de política, que são áreas de interesse do Vladimir. Então nos pareceu que isso enriqueceria muito a conversa, e foi o que aconteceu. Não queremos nos pautar tanto pelos lançamentos dos livros e sim pela importância que tem uma obra, sendo recente ou não; e isso nos dá mais liberdade, além de consistência.
Começamos pela literatura hispano-americana porque o Brasil tem uma relação muito intermitente com os países vizinhos – ora se aproxima, ora se afasta. A produção literária desses países é incrível e nos sentimos particularmente tocados por ela, então este foi o tema deste ano. Ano que vem podemos ter um tema mais amplo como “ética”, “amor” ou “luto”, por exemplo, mas o importante é que será um tema transversal, comum a todos, e que cada convidado irá apresentar sua visão, interpretação e referências de leituras.
4- Na segunda noite desta edição, Júlian Fúks disse ser um alívio falar da produção de outros, e sua fala dá margem à interpretação de que um autor, quando fala de si, precisa mostrar ser exemplo de alguma coisa. Os demais também expressaram, cada um à sua maneira, esse alívio de não ter que falar de si ou do que geralmente se espera deles. Qual é a sua leitura disso e o que você sentiu por parte do público?
É verdade, todos os autores comentaram comigo, ou no palco, a alegria de ter a oportunidade de falar sobre outros autores ou outros temas. O que, na minha visão particular, tem acontecido nos festivais, de modo geral, é que os bate-papos têm ficado muito centrados na figura do(a) escritor(a). Muitas vezes a conversa mais livre, não preparada, leva o assunto para vida pessoal, casos engraçados, sua produção literária e se afasta do tema proposto pela curadoria. É comum que as mesas tenham até um nome, um mote, que não é debatido exatamente. Não que isso em si seja algum pecado, acho bom que o público possa se aproximar do(a) autor(a) e que ele seja cativante, mas no Litercultura queremos tirar o foco da figura do escritor(a) e jogar luz ao que ele escreve ou lê. Nosso foco é a literatura e o pensamento literário em si.
5- O festival recebeu autores de diversos ramos da escrita e atividades além da literatura, cada um com o seu público. Como você descreve o público que o festival tem?
Mapear o público com precisão não tem sido uma tarefa fácil ao longo desses anos. Sabemos que é um público leitor de boa qualidade com mais ou menos experiência e bagagem de leitura, mas com grande capacidade de compreensão e crítica. Não temos a presença tão significativa de público jovem – gostaria que houvesse mais, assim como pretendemos chegar a um público que se sente intimidado com a literatura e normalmente não dá oportunidade a esse tipo de evento e convencê-lo a participar, mostrando o grande prazer que isso pode gerar.
6- Ao mesmo tempo em que passou a sensação de unidade, por abordar produções de latino-americanos em todas as noites, a programação desse ano também rendeu críticas, pois apenas autores foram temas das conversas. Qual é a sua interpretação dessas críticas?
Importante saber que cada convidado recebeu o convite da seguinte forma: “venha falar da sua referência literária na literatura hispano-americana” e o fato de ter autores homens como tema foi, em parte, um acaso, já que que cada um escolheu o seu sem saber do do outro, mas também reflete o que acontece com a produção literária de décadas, para não dizer séculos, em que os homens são maioria. Então numa lista de 10 melhores livros hispano-americanos do século XX, por exemplo, quase não figuram mulheres. Não que não haja literatura feita por mulheres e de excelente qualidade, mas historicamente a produção é menor e com menos visibilidade. Muitas nem estão traduzidas no Brasil.
O Litercultura está alinhado com essas questões, principalmente sendo eu uma feminista e engajada concretamente em questões relativas ao papel da mulher na sociedade e na produção de trabalho. Não nos eximimos de contribui para a mudar essa história e vamos continuar passo a passo, como acredito que deve ser.
7- Quais são os próximos volumes do festival?
Estamos planejando o crescimento do Litercultura dentro das nossas possibilidades e com a intenção de aumentar nosso alcance sem perder a qualidade. Para isso, não nos preocupamos exatamente com uma plateia com grande número de pessoas de uma vez, mas sim chegar até ela de outras formas: estamos produzindo um livro que deverá ser lançado ainda este ano e pretendemos ter ao menos um por ano; queremos levar o debate para outras cidades onde não se costuma ter eventos ligados à literatura e montar grupos permanente de leitura (em parceria com a Escola de Escrita) a partir de outubro, que deverão durar o ano inteiro. Queremos crescer de forma consciente e consistente.