Dizem que a ficção é uma fuga da realidade, aquele momento de escape em que você pode esquecer seus problemas e fruir as possibilidades de um universo novo. Eu não acredito nessa ideia – pelo menos não totalmente. Para mim, a ficção não é uma fuga, e sim uma maneira de lidar com a realidade, uma leitura do mundo.
O ser humano sempre teve a necessidade da ficção. Desde os tempos das cavernas, das pinturas nas paredes e da contação de histórias ao redor da fogueira. Com a Literatura, sugiram as epopeias, os dramas, a poesia, as narrativas, os romances… Para perpetuar a trajetória de um povo, de uma vida, de uma ideia. Sem criação não há evolução. A ficção é a forma mais produtiva de tentar compreender as questões básicas da humanidade, através de metáforas.
Deixemos de lado os maus leitores, aqueles que não sabem viver para além da ficção, em vez de se libertar com as vivências adquiridas na leitura, ficam presos à irrealidade da fantasia. Madame Bovary, personagem título do famoso romance de Flaubert, é a maior referência para esse tipo de comportamento. O tão criticado bovarismo não consiste no prejuízo mental trazido pelos romances açucarados e sim na total ausência crítica de quem os lê. Criticar o vício da leitura é o mesmo que culpar um filme ou um videogame pela conduta violenta de algum adolescente problemático. A responsabilidade dos erros humanos não pode ser atribuída à ficção. Os livros não dão bons ou maus exemplos, não incitam a paz ou a guerra. Tudo isso é questão de interpretação.
A verdade é que o leitor está muito mais preparado para a vida do que o não leitor. Porque ele tem mais consciência, experiência e maturidade emocional. Porque ele sabe que ficção e realidade não são elementos opostos, mas complementares. Porque ele adquire a leveza necessária para o dia a dia e, após um mergulho intenso no universo literário, vai sair para olhar o mundo com uma nova perspectiva, pura, sem preconceitos, quase infantil. Dessa maneira, está sempre se reinventando e redescobrindo as coisas ao seu redor.