O Henfil de graúnas, gravuras e letras
Henfil não é pouco conhecido, ele é um daqueles artistas que praticamente se tornam uma instituição no lugar de onde vem. Seu nome é citado em diversos campos da intelectualidade brasileira, dos literatos aos seus colegas cartunistas, de jornalistas a escritores.
Não há quem negue sua inteligência incomum, seus cartuns marcaram gerações em pleno período ditatorial brasileiro com tiradas que faziam generais de altos escalões enrubescerem de vergonha. Não escapou da censura, obviamente.
Além de piadas políticas, Henfil foi responsável por unir torcidas de futebol com sua versão de mascotes de times do Rio de Janeiro com seu traço “caligráfico” característico.
Seus personagens viraram mania na boca do povo, que repetia seus bordões, como foi o caso dos Fradinhos e de Graúna, um pássaro que vivia na seca do Nordeste com seus amigos e que com muita ironia descrevia o Brasil e suas ainda atuais mazelas.
Henfil era proativo em sua profissão, trabalhou para diversos veículos de mídia, entre eles o lendário O Pasquim e Jornal do Brasil, ambos extintos hoje.
Contudo, de certa forma, essas informações são folha morta para quem conhece o mínimo da obra desse artista, mas o que poucos sabem é que Henfil era um escritor de mão cheia, embora tenha escrito poucos livros. Caso não tivesse morrido prematuramente, teria deixado bem mais do que deixou.
Assim como cartunista audacioso que era, Henfil não foi menos audacioso como escritor: em plena ditadura militar na década de 70 decidiu viajar à China em um dos períodos mais difíceis de se entrar naquele país.
A partir da viagem surgiu um relato instigante e refinado de mais de 300 páginas chamado Henfil na China (antes da Coca-Cola), livro que conta com uma prosa irônica e detalhada sobre o momento em que chineses passavam após a recente morte de Mao Tse Tung.
Antes, Henfil foi aos Estados Unidos tratar da hemofilia, ficou morando um ano e chegou a fechar um contrato para publicar tiras em jornais de lá. Contudo, como era de se esperar, a sociedade americana se mostraria demasiadamente fria para abrigar um artista como Henfil, e então ele retornou ao Brasil.
Após o retorno, suas cartas para familiares e amigos foram publicadas em Diário de um cucaracha, livro brilhante em que o cartunista narra o dia a dia de um brasileiro como ele em um país altamente mercantilista como os Estados Unidos.
No fim da década de 70, foi convidado a ser colunista da revista Istoé, nessa época imortalizou As cartas da mãe, crônicas em formas de missivas endereçadas à mãe na qual ele abordava a situação política brasileira com senso de humor e acidez. E mais um livro daí surgiria.
Não há notícia de que essas três obras tenham sido relançados recentemente, mas vale a pena procurá-las. Não apenas craque do traço, Henfil era um grande escritor em formação e merece ser reverenciado.