Panorama geral de Machado de Assis

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Como falar de Machado, grande figura da literatura brasileira e (por que não?) mundial? Como dar conta da extensão de seu legado ou o que dizer que já não tenha sido dito? Concluí: bem, vou falar sobre tudo. Ou melhor, um pouco de tudo. Então vamos tentar.

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 1839 e morreu em 1908, no Rio de Janeiro. De família pobre, mas muito estudioso, foi um autodidata e conseguiu se formar por conta própria no Gabinete Português de Leitura. Exerceu diversos cargos públicos e começou a ganhar notoriedade ao escrever poesias e crônicas para o jornal. Machado (ou Machadinho, para os íntimos), foi o patrono da Academia Brasileira de Letras. Ele já se preocupava, naquela época, em sistematizar a língua portuguesa no Brasil, além de defender uma literatura livre das amarras do ultranacionalismo.

Em seu ensaio Esquema de Machado de Assis, o crítico Antonio Candido desmistifica a ideia que se criou de que o escritor sofreu muito preconceito por ser pobre e mulato. Não que tenha sido fácil chegar à posição em que chegou, considerando suas origens humildes, certamente ele teve que batalhar muito. No entanto, Machado teve um grande reconhecimento em vida, sendo respeitado e admirado pelos intelectuais importantes da época. Ele só não teve reconhecimento internacional, mas no Brasil ele já era considerado um dos maiores escritores. Então, pode-se dizer que ele teve uma vida, no geral, confortável e sossegada.

Machado de Assis é acudido na rua, no Rio de Janeiro, em 1907, durante o que se supõe ser uma crise de epilepsia, em foto de Augusto Malta.
Machado de Assis é acudido na rua, no Rio de Janeiro, em 1907, durante o que se supõe ser uma crise de epilepsia, em foto de Augusto Malta.

Machadinho se aventurou em todos os gêneros literários, tendo escrito poemas, crônicas, peças, contos e romances, apesar de ser mais conhecido por esses dois últimos. Além disso, ele foi jornalista e crítico literário, notório por sua elegância e sutileza. Em Instinto de Nacionalidade, o autor critica a abundância de temas indianistas e regionalistas na literatura nacional. Segundo ele, é possível representar seu país tratando de temas universais. Por exemplo, Shakespeare escreveu sobre amor, vingança, poder e usou cenários como a Dinamarca, a Itália, a Inglaterra; porém, ninguém duvida que ele seja um importante dramaturgo inglês. Na verdade, essa literatura ultranacionalista tem um porquê. No século XIX, o Brasil estava em processo de independência política e sentia a necessidade de firmar uma literatura nacional, não mais tão presa aos moldes europeus. Por isso os escritores se voltaram para a cultura nacional, retratando as regiões do país ou remetendo ao passado indígena. Machado era visionário e acreditava que a literatura nacional tinha outros caminhos, talvez mais interessantes. Foi por esses outros caminhos que ele seguiu para obter seu merecido sucesso.

O estilo machadiano é reconhecível por sua ironia fina, sua elegância de linguagem e seus personagens ambíguos. O crítico Luiz Costa Lima classifica o escritor como um criador de palimpsestos. O que é isso? Palimpsesto era, na Antiguidade, um pergaminho que poderia ser rasurado para novos usos, por questão de economia. Isso, em termos de literatura, significa que há sempre uma história por trás da história original, dando margem a várias camadas interpretativas. Capitu traiu ou não traiu Bentinho, em Dom Casmurro? A senhora deu ou não em cima do estudante, em Uns Braços? São sutilezas de compreensão quase inalcançáveis.

Elite da literatura brasileira da época, em daguerreótipo anônimo: de pé,Rodolfo Amoedo, Artur Azevedo, Inglês de Souza, Olavo Bilac, Veríssimo, Bandeira, Filinto de Almeida, Passos, Magalhães, Bernardelli, Rodrigo Octavio, Peixoto; sentados, João Ribeiro, Machado de Assis, Lúcio de Mendonça e Silva Ramos.
Elite da literatura brasileira da época, em daguerreótipo anônimo: de pé,Rodolfo Amoedo, Artur Azevedo, Inglês de Souza, Olavo Bilac, Veríssimo, Bandeira, Filinto de Almeida, Passos, Magalhães, Bernardelli, Rodrigo Octavio, Peixoto; sentados, João Ribeiro, Machado de Assis, Lúcio de Mendonça e Silva Ramos.

Machado é mestre em expor as contradições do caráter humano. Ele ri da desgraça e do absurdo da vida, numa espécie de tragicomédia crítica. Sua filosofia ácida já lhe rendeu comparações com o famoso diretor norte-americano Woody Allen. Eu assisti a uma palestra na UERJ do professor Felippe Mansur intitulada A cosmoironia de Machado de Assis na qual ele contou que Woody Allen é leitor de Machado e se identifica com o seu estilo. Num filme seu meio desconhecido de início de carreira, Memórias, há uma referência ao romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. Chique, não é?

Portanto, Machado é um clássico. Sua história de vida é um exemplo de determinação e sua literatura pode gerar muita reflexão interessante. É triste que muitas pessoas considerem atualmente seus textos “chatos” e “velhos”. Provavelmente isso é fruto de um trabalho mal conduzido na escola, onde alunos muito jovens e com escassa experiência em leitura são obrigados a ler Machado sob um viés tradicional e pouco motivador. Eu acredito que quem não gosta de Machado não entende sua obra. Temos a tendência a rechaçar aquilo que não compreendemos. É uma pena.

De maneira geral, é isso. Claro que eu não tenho a pretensão de esgotar aqui o assunto. Ainda há muito o que se dizer sobre esse talentoso escritor e sua obra. E sempre haverá. Afinal, cada história esconde inúmeras outras possibilidades de leitura.

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Se tiver interesse, leia um pouco mais sobre a biografia de Machado neste link.

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