A Escrita criativa como espaço de formação do aspirante

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O quanto se pode aprender nas oficinas de escrita?

Oficina criativa com Assi Brasil/ divulgação
Oficina criativa com Assis Brasil/ divulgação

Ser um jovem escritor, ou melhor, ser jovem e querer escrever produz a curiosa junção de duas características muito perigosas para um ser humano. A juventude com todas as suas idas e vindas, a busca por modelos e as expectativas com relação ao futuro. O maior desafio é ver-se como protagonista de um romance de formação que nada mais é que nossa própria vida. Quais serão os personagens com os quais encontraremos? Amores à vista? Seremos melhores que nossos pais? Seremos como eles? Poderemos nós, como o Wilhem Meister de Goethe, viver com suas marionetes? Ou como o jovem Sidartha de Herman Hesse, escolher viver às margens do rio da vida? Por outro lado, querer escrever.

Rios de tinta já foram escritos sobre como escrever, mas é interessante notar que muitos deles são bem recentes e parecem florescer à custa da insegurança dos jovens escritores contemporâneos. Divirta-se jogando em um buscador online: Manual de escrita Criativa, ou se tiver tempo, Creative Writing Handbook. Eu encontrei 50 títulos diferentes.  Busque também curso de escrita criativa e veja os preços. Uma oficina bem famosa da cidade de São Paulo cobra a bagatela de R$2100, parcelados em 6x no cartão. Cada encontro sai pela pechincha de R$ 130. Um dos tópicos do curso é Sensualidade. Sedutor como é, o curso frequentemente está lotado.

Caso você tenha um pouco mais de recursos para investir em sua carreira, pode investir em um curso que garante um diploma em escrita criativa. Na PUC do Rio Grande do Sul encontrei um curso sequencial em escrita criativa e também uma pós lato sensu. Pelo que entendi o curso da PUC-RS sai em torno de R$6000 reais. No exterior, em breve busca, encontrei o curso da NYU, que você consegue fazer facilmente com 26.000 dólares ianques/ano. Essa especialização rende frutos. A revista literária britânica Granta, publicada em português desde 2009, fez uma edição especial em 2012 intitulada Os melhores jovens escritores brasileiros, todos nascidos a partir de 1972. A maioria dos escolhidos possuem duas características, por vezes combinadas: pós-graduação na área de literatura e, antes de suas nomeações já ocupavam posições no mercado editorial. Muitos também frequentaram cursos de escrita criativa.

Lanço uma questão: haverá ainda algum espaço para um autor que não pode frequentar essas caríssimas oficinas? Se tivermos tempo de frequentar algumas bibliotecas públicas da cidade de São Paulo, por exemplo, teremos o prazer de encontrar com muitos jovens com aspiração a escritor que não frequentam essas oficinas e curso, nem têm sobrenomes difíceis de pronunciar. Algumas idas aos famosos Saraus das quebradas paulistanas, como o Sarau do Binho ou o Sarau da Cooperifa, também rendem boas amizades com jovens escritores.

Sarau da Cooperifa/ crédito: Catraca Livre
Sarau da Cooperifa/ crédito: Catraca Livre

Outra sugestão, são os Slams, batalhas de poesia, que acontecem há menos tempo do que os saraus, mas ganham espaço importante na cidade. Para muitos dos que declamam seus textos nesses espaços, sem dúvida, a escola pública, as bibliotecas públicas e comunitárias são espaços importantes de formação. Eles e elas leem Ferréz, ouvem Sabotage, leem Guimarães Rosa, Racionais, George Orwell, outros leem Zola e identificam-se lendo Solano Trindade e Richard Wright. Praguejam com Bukowski, admiram Criolo e Emicida. Vão lendo, vão ouvindo, vão escrevendo, vão testando. Formam-se com seus descaminhos e acertos.

Cartola era poeta. Carolina Maria de Jesus fazia prosa das boas. Drummond faz uma crônica em homenagem ao mangueirense em 1980 no Jornal do Brasil. Manuel Bandeira elogia a produção de Carolina no Jornal O Globo em 1960. Morro da Mangueira, Copacabana, Itabira, Passárgada, favela do Canindé, tanto faz. Bom, mas isso de falar bem de gente do povo, talvez seja coisa de modernista. Queria estar errado, mas talvez para os jovens escritores em destaque, o maior espaço de literatura da cidade de São Paulo seja a Vila Madalena e pontos como a Mercearia São Pedro e a Livraria da Vila.  A cidade é muito mais literária do que isso.

Que fique claro uma coisa, não sou contra oficinas de escrita criativa, já que por bem ou por mal, esses parecem ter se tornado espaços importantes de formação do escritor contemporâneo. Porém, iniciativas de cursos gratuitos ou ainda a construção de portais digitais de encontro de leitores e escritores como o Homo Literatus deveriam ser a regra e não a exceção.

Encerro me perguntando, se hoje, com tanta especialização, canudo pra tudo que é lado, manual disso e daquilo, se aqueles jovens que são barrados nas grandes livrarias, que dependem em grande medida da escola pública e desses espaços comunitários como os saraus para construírem suas referências literárias terão espaço em alguma edição de jovens escritores. Estaremos fadados a um futuro sinistro no qual apenas escritores com óculos de armação preta, amantes de cerveja artesanal e cujas biografias de orelha de livro começam com “frequentou a oficina de …” terão espaço? Encerro com o conselho do Mário de Andrade, paulistano, professor de piano que se sentia intimidado por ter tantos colegas formados em Direito no ofício das Letras. O trecho é de uma carta ao então inseguro, Fernando Sabino:

Não tem disposição? Não se trata de ter disposição: você é um operário como qualquer outro: se trata de ter horas de trabalho. Então, vá escrevendo, vá trabalhando sem disposição mesmo. A coisa principia difícil, você hesita, escreve besteira, não faz mal. De repente você percebe que, correntemente ou penosamente (isto depende da pessoa) você está dizendo coisas acertadas, inventando belezas, forças, etc

(Retirado de Cartas a um jovem escritor e Suas Respostas. Editora Record)

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