Na obra mais recente de Cristovão Tezza, é problematizada a tirania do amor, dos números, do capital e da própria linguagem
A tirania do amor (2018), romance mais recente de Cristovão Tezza, se debruça sobre um dia na vida de Otávio Espinhosa, economista que vive o clímax de uma crise existencial. O recurso de condensar muitos elementos em um tempo curto, presente neste livro, vem sendo explorado por Tezza em suas últimas narrativas. O resultado são enredos que se ramificam, crescem “para dentro”, engravidam de significados.
Crise nacional e crise pessoal
Economista brilhante, Espinhosa é analista em uma empresa de investimentos financeiros. Sua tese de doutorado, em que criticou ferrenhamente a “máquina do Estado”, foi massacrada pela banca examinadora. Então, o economista, capaz de extrair raízes quadradas instantaneamente, faz carreira na iniciativa privada. Mas a empresa em que trabalha vive sua pior crise, envolvida nos escândalos recentes de corrupção do país. Nessa medida, se Tezza abordou em seus últimos romances a correspondência entre falência intelectual e falência subjetiva, delineia-se agora o paralelismo entre crise nacional e crise pessoal.
As ramificações das dimensões espaço-temporais – suas conexões e desligamentos – são construídas com a destreza já conhecida do autor. O narrador acompanha de perto as elucubrações cartesianas de Otávio Espinhosa; tanto que, por vezes, o leitor deve se deixar perder para, quem sabe, retomar um pouco adiante o fio da meada.
A profusão de temas – fim do casamento, relação com os filhos, crise da empresa, crise do país, relação com o pai, um livro de auto-ajuda que assina com pseudônimo, o início de uma nova relação amorosa, entre outros – pode trazer algum ruído ao texto, o que não ocorre, por exemplo, em Um erro emocional e A tradutora, que são romances mais coesos. Mas, aqui, o risco (que é também o risco do protagonista) tinha de ser corrido.
Leitura ideológica
Como se trata de um livro que aborda a atual conjuntura política do país e cujo autor escreve colunas em jornais nas quais já explicitou seus posicionamentos, há quem possa depreender do romance um caráter notadamente ideológico, contaminando a ficção com o que se sabe sobre as opiniões do autor – leitura, do meu ponto de vista, extremamente equivocada. A trama não é panfletária. Ao contrário, apresenta um protagonista – com suas convicções – em crise e, no máximo, aponta para a necessidade de ele se repensar, o que se estende ao próprio país.
Com efeito, é a tirania do amor, dos números, do capital, da própria linguagem, enfim, que é problematizada na narrativa. Por isso, na economia do romance de Tezza, um dia rende um livro: mesmo o movimento imediato de extração de uma raiz quadrada aleatória tem história.