O legado de Alfredo Bosi

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O legado de Alfredo Bosi

O legado que o crítico literário Alfredo Bosi deixou para nós, a partir de comentários sobre um dos seus livros de maior referência, “História Concisa da Literatura Brasileira”.

ALFREDO BOSI, EM 2010 (FOTO: MASAO GOTO FILHO), de Carta Capital.

Uma breve biografia

No dia 07/04/21 faleceu o crítico literário Alfredo Bosi, vítima de uma pneumonia agravada pela famigerada COVID-19. Membro da Academia Brasileira de Letras, o autor era referência para os estudantes de literatura, já que produziu obras canônicas na área, como a famosa “História Concisa da Literatura Brasileira”. Nesta obra, ele comenta sobre as escolas literárias e seus principais escritores representantes no Brasil.

Marco Lucchesi, presidente da Associação Brasileira de Letras, descreve Bosi como “um homem de profunda erudição, humanista inconteste, um homem que estudou o Renascimento e que o representou”.

A formação do acadêmico inclui estudos sobre a literatura brasileira e italiana: ele é formado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), onde atuou como professor de língua e literatura italiana após regressar de um curso em Florença. Mais tarde, tornou-se professor titular de literatura brasileira pela mesma instituição.

As críticas ao crítico 

Há quem acuse Alfredo Bosi de ter sido tradicionalista, dividindo a história da literatura brasileira por fases, a exemplo da escola francesa o que acabaria por limitar o panorama rico e plural dos nossos autores, colocando-os em “caixinhas”. Essa crítica pode ter certo fundamento, porém é preciso lembrar que, para propor inovações, é necessário conhecer a tradição.

É isso o que nos fornece Bosi: uma base, uma organização a partir da qual podemos compreender a evolução dos estilos literários no nosso país.

Bosi, logo na introdução do já mencionado “História concisa”, nos lembra como a  nossa literatura está atrelada à europeia, sempre imitando, com certo atraso, os modelos do antigo continente, e como precisamos nos separar desse conceito para nos aproximar das outras literaturas latinas:

“O problema das origens da nossa literatura não pode formular-se em termos de Europa, onde foi a maturação das grandes nações modernas que condicionou toda a história cultural, mas nos mesmos termos das outras literaturas americanas, isto é, a partir da afirmação de um complexo colonial de vida e de pensamento.”

Tendo compreendido isso, podemos concluir que as escolas podem ter as mesmas nomenclaturas, entretanto, a nossa literatura sempre terá suas particularidades.

O Romantismo brasileiro, por exemplo, tenta resgatar nosso passado indígena, ainda que de maneira idealizada (ufanista) e minimizando o genocídio do povo original da nossa terra. A natureza também é muito presente em tais textos, como os de José de Alencar com sua Iracema e seu O Guarani.

Já o Realismo carrega traços de uma forte crítica social às “elites sanguessugas”, especialmente em Machado de Assis e Lima Barreto. E assim por diante, vamos adaptando as referências literárias europeias, para que nossos textos tenham a “cor local”, o que passa a acontecer mais concretamente com a proposta “antropofágica” dos modernistas Mário e Oswald de Andrade.

Bosi comenta ainda sobre alguns autores contemporâneos, como Lúcio Cardoso, Cornélio Pena e João Cabral de Melo Neto, observando suas renovações de estilo. Contemporâneos, vale lembrar, para a sua época, já que o livro foi publicado em 1970.

É pouco o espaço reservado à poesia em nossa crítica literária, e menor ainda aquele pertencente às mulheres. Dentre as autoras comentadas, encontram-se Clarice Lispector, Raquel de Queirós e Cecília Meireles, além da desconhecida parnasiana Francisca Júlia, a quem é reservada praticamente apenas uma página.

Conclusões possíveis

É evidente que o trabalho de Bosi em sintetizar toda trajetória literária brasileira em cerca de 500 páginas é louvável, dada a dificuldade da tarefa. Sempre faltaria espaço para contemplar todos os talentos nacionais. Por isso, é compreensível que ele tenha priorizado alguns em detrimento de outros, provavelmente aqueles que considerou mais representativos dos movimentos literários.

A obra, no entanto, continua sendo uma referência para os estudiosos e curiosos de Letras. Bosi dedica a Otto Maria Carpeaux, outro grande crítico, de projeto ainda mais ambicioso, pois escreveu dez volumes da História da Literatura Ocidental. Ele também dedica à sua esposa Ecléa Bosi, escritora e professora do Instituto de Psicologia da USP. A própria Ecléa não se tornou tão conhecida como o marido, embora seu trabalho também pareça ser bastante significativo.

Talvez um dia possamos equilibrar essa balança e abarcar tantas autoras mulheres quanto homens na história de nossa literatura. Enquanto isso, vamos aprendendo com os clássicos. Podemos ser gratos a Alfredo Bosi por seu legado. Ele se foi, mas nos presenteou com uma importante referência cultural, que pede leituras, releituras e reformulações.

Referência:

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2013.

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