A você, leitor dos livros e do mundo, fica a pergunta: o que realmente absorvemos das leituras e o quanto somos absorvidos por elas?
A você, leitor dos livros e do mundo, amador, profissional ou ambos, lanço uma reflexão: o que realmente absorvemos das leituras e o quanto somos absorvidos por elas? Isso pode nos levar a outra questão: usamos a literatura para fugir da realidade ou para compreendê-la? E suas derivações, como: a realidade afeta nossa percepção da ficção ou a ficção afeta nossa percepção da realidade? Até chegarmos à velha provocação: a arte imita a vida ou a vida imita a arte?
Na sociedade ocidental contemporânea, em geral, somos escravos da rotina, atrelados a horários e afazeres diversos. Pouco tempo nos sobra para o lazer e a reflexão produtiva. A leitura pode ser um meio de alcançar esse prazer perdido no automatismo cotidiano. Uma rota de fuga. Ou um atalho para a transformação. Se encarada como fuga, isso implica que precisaremos voltar à rotina massacrante, ansiando pelo momento em que poderemos novamente desfrutar de algumas horas em Pasárgada, Nárnia, Hogwarts ou [insira aqui seu recanto literário favorito]. Se, entretanto, aproveitada como caminho de transformação, a rotina massacrante perde aos poucos o seu peso, porque nosso olhar se torna mais leve.
Ao lermos uma obra, já possuímos certa bagagem cultural e ficcional que certamente influencia em nossa interpretação. Nosso pensamento não para. A todo instante, mil questões perpassam nossa mente, desde o sentido da vida até a lista de supermercado. A concentração para a leitura não vem fácil, e normalmente levamos certo tempo para entrar no clima da história que acompanhamos – razão pela qual, aliás, muitas pessoas encontram dificuldade em vencer essa barreira inicial e se tornar leitores efetivos. Quando os ruídos da nossa mente são interrompidos para que possamos nos deixar contaminar pelo som silencioso das palavras do livro é que a engrenagem é posta em funcionamento. O mundo exterior se apaga e dá lugar ao mundo ficcional. Estamos absortos nele, até o fim da leitura. E, quando voltamos à realidade, já não somos os mesmos. A própria noção da realidade já se modificou. Assim até a próxima leitura, progressivamente. O mesmo pode valer para as outras artes. A arte existe para externalizar nossos porquês, sem oferecer respostas, e sempre estimulando novas perguntas. A insatisfação é o que nos motiva a continuar a jornada.
Portanto, é possível absorver muito das leituras e ser absorvidos por elas. Usar a literatura para fugir da realidade e para compreendê-la. A realidade afeta nossa percepção da ficção e a ficção afeta nossa percepção da realidade. A arte imita a vida e a vida imita a arte. São impasses sem solução, por isso tão produtivos. O narrador de Clarice Lispector em A Hora da Estrela afirma: “Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continuarei a escrever”. E nós continuaremos a ler.