Quem não suspira ao ler esse poema de Vinicius, símbolo do amor romântico universal? Inspirada pelo centenário do nascimento do poetinha, comemorado no último sábado (19/10), resolvi pôr em questão aqui uma das grandes polêmicas sobre sua vida: afinal, como pode um homem que foi casado nove vezes escrever versos tão lindos sobre o amor?
Em primeiro lugar, consideremos que o poeta é um fingidor, como proclamava Fernando Pessoa. Escrever sobre o que se sente, simplesmente, é banal. O verdadeiro escritor/poeta é aquele que cria seu próprio mundo ficcional, baseado em suas experiências e sonhos. Mesmo o que se viveu, não é reproduzido no papel, é recriado. Ainda que a arte revele muito sobre o artista, não podemos nos ater a um biografismo limitante. Por mais preciosa que seja a obra, o homem por trás de sua produção sempre será apenas um ser humano imperfeito, cheio de conflitos e contradições.
Na foto: Helô Pinheiro, a “Garota de Ipanema”, foi a inspiração para música de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.
Em segundo lugar, é preciso entender em que conceito de amor estamos nos baseando. No amor único ou múltiplo, cotidiano ou idealizado? No sentido romântico, será que só amamos uma pessoa por toda a vida ou é possível vivenciar vários amores? Ou será que, no fundo, não nos apaixonamos pela pessoa e sim pelo amor? Vinicius, romântico contemporâneo, não acredita em amor eterno, acredita num amor “infinito enquanto dure”. De espírito inquieto, ele perseguia sempre um amor menino, recém-nascido, e não tinha paciência para o desgaste do dia-a-dia. Porém, ele respeitava todos os seus amores e (ao que me parece) era fiel enquanto durava a relação.
Vinicius amou e sofreu intensamente. Com sua sensibilidade especial, ele soube traduzir em poesia o clichê do amor, sem ser clichê. Poesias célebres, algumas musicadas em ritmo de bossa nova, inesquecíveis, poesias infinitas enquanto durar o verso.
Soneto de Fidelidade
Vinicius de Moraes
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.