Ficção e realidade: ‘Flores Artificiais’, de Luiz Ruffato

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Novo livro de Luiz Ruffato, Flores artificiais “explora um dos temas mais interessantes da pós-modernidade: o limiar entre ficção e realidade.”

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Luiz Ruffato (Foto: Lucio Ramírez)

Em busca de um bom romance, o leitor ávido decide se aventurar por entre as estantes e prateleiras das livrarias lendo as sinopses e informações breves e gerais que os livros trazem. Quem, por acaso, se depara com Flores artificiais (2014) e lê a contracapa do mais recente livro de Luiz Ruffato, procurando informações sobre a obra, talvez encontre uma descrição um pouco superficial e um trecho que parece ter saído de qualquer livro clichê sobre viagens ao redor do mundo. Ledo engano.

Ruffato continua a surpreender os leitores na busca do que ele mesmo chama de “desconforto” ao propor uma obra que desafie os limites da literatura e chacoalhe um leitor mais desatento. Eles eram muito cavalos (2001) e a saga Inferno Provisório, constituída dos romances Mamma, son tanto felice (2005), O Mundo inimigo (2005), Vista parcial da noite (2006) e Domingo sem Deus (2011) provam isso.

Em Flores artificiais não é diferente. Ele explora um dos temas mais interessantes da pós-modernidade: o limiar entre ficção e realidade. Todo bom leitor entende que a figura do narrador é diferente daquela do autor, isso é básico. Mas sabe também que todo e qualquer escritor se baseia, em maior ou menor medida, na realidade que o cerca para compor sua obra. Fatos biográficos são aproveitados e incorporados aos romances. Belos exemplos são Cartas na rua de Charles Bukowski, On the Road de Jack Kerouac, Pesadelo Refrigerado de Henry Miller, O Filho eterno de Cristóvão Tezza. A lista é gigantesca.

Um dos escritores contemporâneos que mais “brinca” com a linha tênue que separa narrador e autor é o português Helder Macedo, numa escrita que reserva sempre uma armadilha atrás das portas que separam as peripécias. Ruffato não chega a exagerar, armando arapucas para o leitor, mas cria/reinventa uma história no estilo Mise en Âbyme (uma história dentro da outra, ou uma imagem dentro de outra imagem – olhem a embalagem de Pó – Royal, por exemplo).

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Flores artificiais (Companhia das Letras, 2014)

Ele próprio, o autor Luiz Ruffato, recebe em casa um manuscrito chamado Viagens à terra alheia (referência clara ao Viagens a minha terra de Almeida Garrett) de um brasileiro Dório Finetto, um funcionário do Banco Mundial que viajou a vida toda a trabalho. Ele acredita não ser capaz de escrever um grande livro e pede a Luiz Ruffato que o faça. E o escritor aceita o desafio.

O romance narra então as viagens do “personagem principal” pelo mundo. Porém, ele não está ali deveras como protagonista. Seu trabalho nunca é descrito, mas sim as relações pessoais. Sua história praticamente não é contada (quando contada é em segundo plano). Ele é um observador que prefere contar a história dos outros à própria.

É assim que conhecemos Robert William Clarke, britânico que passou a infância no Brasil, lutou em milícias na África e que faz a sua história no percurso Southampton – Juíz de Fora. Ou o argentino fugido da ditadura com quem fez amizade em um restaurante em Beirute. Ou ainda um uruguaio, habitante de um pequeno povoado que sonha em encontrar o pai desaparecido que possivelmente tenha migrado para o Brasil. Ou a francesa, professora de alemão, que abandonou seu mundo cartesiano para se jogar nos braços do verdadeiro tango porteño perambulando por Buenos Aires.

Temos uma história dentro de uma história. Um autor que se interessa por um observador que gosta de contar a história de terceiros. Nós, leitores, estamos acima, lendo/vendo a história passada por várias perspectivas, que caminhou por tantos olhares até que chegasse ao nosso. São histórias de vida com cara de ficção – é claro que toda biografia, e até mesmo a própria história, reveste-se com ares ficcionais para ser contada. Ou ainda, fatos reais romanceados (pelo narrador ou pelo autor?). Não é necessário termos uma resposta. O saborear do livro já nos vale a pena.

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