Fotografia como interpretação da vida ou As Fantasias Eletivas, de Carlos Henrique Schroeder

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Carlos Henrique Schroeder lança um livro contemporâneo, de uma beleza triste, mas que tem tudo a ver com os congestionamentos sentimentais de nossa vida diária. 

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“Enquanto Copi, sofregamente, segurava o pincel, dois raciocínios a assustavam: o primeiro era de que havia muita palavra no mundo, muito mais do que gente. E o segundo de que o que nos liga ao passado, a memória (que rege essas inúmeras fantasias eletivas que chamamos de lembranças) empalidece ao primeiro sinal de desejo” (pg. 49).

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O livro enquanto coisa viva, enquanto objeto, escrito, texto, espécie de manual – como deveriam ser todas as obras de ficção –, alargando a concepção de vida, ou mesmo se livrando de qualquer definição que lhe queiram impor (como esta) – precisa de alguma forma nos oferecer algo.

As Fantasias Eletivas, de Carlos Henrique Schroeder (Record, 2014), oferece. E oferece mais, a perspectiva travessa, traveca, de uma história comum, pelo menos à primeira vista, mas que recebe um tratamento literário conciso, a fábula se transformando em trama (ver Temática, de Boris Tomashevsky), digna de um contista que escreve um romance (ou novela?).

 

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Começa com Renê, também conhecido como “Mister Álcool” (ou Ratón para os fãs de Copi), desgraçado, que trabalha à noite na recepção de um hotel, em Balneário de Camboriú. De alguma forma, ele desperdiçou tudo que a vida lhe deu. Seu casamento foi desfeito, perdeu a mulher, perdeu a chance de ver o filho, perdeu os pais que não querem mais falar com ele. Noutras palavras, é uma espécie de fantasma que se move pela praia catarinense, apenas trabalhando e trabalhando, ilusoriamente vivendo. Ainda que sua presença corpórea se torne notável no começo do livro, com a facada que recebe no meio da rua, sem saber quê nem por quê.

Mas então está Renê, dia desses, piloto de sua recepção, quando recebe a visita de Copi, baixinha, bonita, de voz forte. Um traveco. Ela deixa um cartão de contato, pedindo que Renê a indique para os clientes do hotel, se precisarem, a profissão mais velha do mundo.

E Rene chama? Não chama.

Copi passa todos os dias pela frente do hotel. Um dia, resolve entrar, pergunta por que ele chama as outras, e não a chama. E Renê a ameaça. Sapatos de salto voam. Renê agora é macho, expulsa-a. Porém no outro dia, lá está Copi, trazendo um vinho, pedindo desculpas. E vinhos depois, dias passados, até se tornam amigos. Não por favores sexuais, talvez sim pela solidão duplicada, ali daqueles dois, no deserto que é uma praia em datas (in)festivas.

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Diga Copi, quero que escreva esta resenha (ou seja lá o que for) junto comigo:

“Os adolescentes ainda se beijam ardorosamente, ficam pendurados um no pescoço do outro ou mesmo partem para um amasso de proporções godzillescas. Mas e os adultos? Os bancos das praças e praias, principalmente dessa merda de praia suja aqui do centro, se transformaram num lugar de descanso e observação, onde se espera acabar o sorvete para continuar a caminhada, ou onde dá para espiar os carros passando, ou onde se mata tempo. Cadê os beijos nos bancos? Aqueles que nos deixam sem jeito, que dão inveja?” (pg. 60).

Mas por quê, Copi? O que está acontecendo?

“A paixão, essa vermelha e ardilosa lei da natureza, que fez com que eu e você estivéssemos aqui hoje, que fez com que nossos pais sentissem algo carnal, químico ou metafísico um pelo outro, está expulsa da vida pública. Nos permitimos exibir nossos carros, a porra desses tijolões, os celulares, mas temos vergonha de fazer um carinho, dar um beijo prolongado na nossa companhia em plena rua” (pg. 61).

Obrigado, Copi. É verdade. Tenho que pensar nessas coisas.

 

[4]

As Fantasias Eletivas também possui uma espécie de ensaio fotográfico. Em dado momento, Copi conta a Renê que possui uma Polaroid, que com ela vai tirando fotos, depois escreve textos a partir dessas fotografias.

Mais do que isso, Copi discursa sobre a fotografia, fala de suas relações com a literatura. O sentimento que o leitor absorve é de que ambas são artes da solidão, em que o olhar do que está disforme se reproduz, mesmo que não faça nenhum sentido para outras pessoas que verem.

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Carlos Henrique Schroeder lança um livro contemporâneo, de uma beleza triste, mas que tem tudo a ver com os congestionamentos sentimentais de nossa vida diária. Nem por isso, As Fantasias Eletivas carecem de ação, ou pontos de viradas. É uma obra ágil, dinâmica, que oferece muito ao leitor.

As Fantasias Eletivas
Carlos Henrique Schroeder
Record
2014
112 páginas

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