Quem disse que literatura foi feita para mudar alguma coisa? Entrevista com Maicon Tenfen

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Ele fala sobre seu novo livro, literatura e outras questões

Maicon Tenfen/Google Imagens
Maicon Tenfen/Google Imagens

Maicon Tenfen coleciona 20 de anos de carreira como escritor e vários livros publicados. Sua mais recente obra Quissama – Império dos Capoeiras, publicada em 2014, recebeu em 2015 a indicação ao Prêmio Jabuti na categoria Juvenil. Agora em 2016 se prepara para lançar a continuação Quissama — Território Inimigo.

Em entrevista ao Homo Literatus ele fala sobre seu novo livro, sua carreira e revela suas opiniões sobre literatura e outras questões.

 

Homo Literatus: Quando começou sua relação com a literatura e em qual momento tomou para si a ideia de ser um escritor?

Maicon Tenfen: Escrevo histórias desde oito, nove anos. Mas lembro ter escrito os meus primeiros “romances”, isto é, histórias maiores com começo, meio e fim, quando estava na sexta série (doze anos, portanto). Eram aquilo que hoje as pessoas chamam de fanfics. Um era de Guerra nas Estrelas, com um cavaleiro Jedi que vinha para a Terra dos dias de hoje, e outro, embora totalmente ambientado na Floresta Amazônica dos anos 1940, era um fanfic do Indiana Jones. Chamava-se Os Aventureiros do Amazonas e tinha um tal de Pedro (o meu Indiana) como personagem principal. O que eu sabia da Amazônia? Nada, é claro. Mas um escritor deve pesquisar, não? Naquela época não havia internet, então eu me virava com a enciclopédia Barsa e as figurinhas que vinham no chicle de bola Ploc. Havia uma série que trazia fotos e pequenos textos sobre animais e plantas da Amazônia. Naquele tempo eu achava que isso seria suficiente para preencher a minha narrativa de informações sobre o cenário da aventura. Graças à minha boa sorte, perdi os cadernos com essas histórias. Depois fui crescendo, lendo mais, fazendo outras tentativas, até que publiquei o meu primeiro livro, Entre a Brisa e a Madrugada, aos 20 anos de idade.

H.L.: E qual é sua formação?

M.T.: Me formei em Letras. O meu objetivo era fazer um curso que me aproximasse o mais possível da escrita literária. Fui tentado pelo Jornalismo, mas Letras parecia ser a melhor opção para aquilo que eu pretendia fazer. Quando publiquei o Entre a Brisa, era ainda um estudante. Estava no quinto ou sexto semestre do curso.

 H.L.:Qual a importância da literatura em sua vida?

M.T.: Tenho certeza que, sem a literatura, teria me tornado alcoólatra ou até mesmo bandido. Acho que não há exagero na afirmação. Se você tem essa bela senhora que é a Literatura na sua vida, então é como se você tivesse uma igreja, um deus, um mundo todo só para si. Não quero dizer com isso que a Arte tenha um caráter salvacionista. Há muitos escritores alcoólatras – e até alguns bandidos – mas sim que, pelo menos no meu caso, ela serviu para me dar um norte a seguir.

H.L.: E o mercado literário nacional atual, como você enxerga ele?

M.T.: Pra ser sincero, devo dizer que é uma montanha de lixo. Escritores que se vendem politicamente, editores caloteiros, livreiros pusilânimes e leitores alienados com as modinhas e os best-sellers traduzidos. Eu já previa isso desde o princípio da minha carreira, quando publiquei Um Cadáver na Banheira, uma crítica ao mercado editorial em particular e à indústria cultural como um todo. Não reclamo da minha situação atual, mas seria muito hipócrita se tapasse o sol com a peneira. Hoje trabalho com gente séria e extremamente profissional – o que há de melhor na praça -, mas passei por muitos picaretas até chegar aos meus atuais editores.

H.L.: Aliás, escritores e escritoras, socialmente falando, têm um papel definido ou mesmo uma capacidade de intervenção dentro da sociedade?

M.T.: Não sei o que responder. Talvez a literatura ainda possa promover as tais microrrevoluções, mudar as cabeças individualmente, mas o tempo em que a literatura era politicamente relevante já passou. E depois, quem disse que a literatura foi feita para mudar alguma coisa? Esse debate é longo e complicado. Não sei se os leitores de romances estariam dispostos a participar desse tipo de discussão.

H.L.: Acredito que um dos pontos altos de sua carreira literária, até o momento, tenha sido a indicação em 2015 ao Prêmio Jabuti na categoria juvenil do seu livro Quissama. Pode não ter ganho tal premiação, mas era algo esperado? Dentro do campo literário já ganhaste algum prêmio?

M.T.: A indicação foi totalmente inesperada, assim como todos os prêmios que eventualmente eu tenha recebido. Escrevo porque adoro mentir e inventar histórias, nunca fiz isso para receber prêmios, homenagens, honrarias ou condecorações. Talvez eu esteja equivocado em meus propósitos, pois é impressionante a importância que as pessoas dão a esse tipo de coisa.

H.L.: Agora em 2016 é para sair ainda o segundo volume de Quissama, não é? Já tem título definido? É uma trilogia?

M.T.: Sim. Recebi há pouco a confirmação da editora. O segundo volume da trilogia, que se chama Território Inimigo, deve sair em outubro ou novembro. Praticamente todo o romance se passa na Guerra do Paraguai, entre 1 de janeiro e 16 de agosto de 1869, ou seja, nos momentos finais do conflito, quando a campanha deixou de ser uma guerra para se transformar num massacre.

H.L.: Ainda falando do livro Quissama: Império dos Capoeiras ele toma como pano de fundo o período imperial brasileiro que, pensando de um ponto de vista histórico, foi um momento de grande riqueza e personagens singulares. Finalizando a trilogia Quissama tem ideia ou vontade de continuar desenvolvendo romances dentro dessa ambientação histórica?

M.T.: Acho que sim. O Quissama já cresceu muito em minha mente e, de trilogia, abriu-se à possibilidade de se tornar uma série maior. Virou jogo de tabuleiro (criado por meu amigo Ricardo Spinelli), há um projeto para se tornar uma animação e cada vez surgem mais histórias que, a meu ver, merecem ser contadas. É um romance policial de aventuras, mas é fundamentalmente sobre o nosso país, a nossa história, a nossa cultura. É sobre o herói negro, a capoeira, a luta pela liberdade, a verdadeira amizade entre dois indivíduos de mundos totalmente opostos. Acho que a série vai se desdobrar, sim.

H.L.: Mudando de assunto: dos livros que já publicou, tem algum favorito? E por quê?

M.T.: Um Cadáver na Banheira. Foi muito divertido escrevê-lo e tem a ver com a minha própria trajetória: um sujeito do interior tentando entrar para o mundo das letras.

H.L.: E para quem nunca leu nada seu, indicaria esse livro para uma primeira leitura?

M.T.: Sim. Esse e o Quissama. São dois livros bem acessíveis.

H.L.: Aliás, quantos livros você já publicou?

M.T.: Mais de vinte.

H.L.: Jogo rápido: escritores favoritos?

M.T.: Vou citar apenas os contemporâneos: Mario Vargas Llosa, Paul Auster e José Saramago.

H.L.: E quais seus livros favoritos?

M.T.: Fazendo eco à pergunta anterior e de modo respectivo: A Festa do BodeO Livro das Ilusões e O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Todos romances publicados nos últimos anos.

H.L.: Alguns de seus livros, entre eles, Ler é uma Droga e O Homem que Pronominava, são crônicas reunidas do tempo que escrevia para o Jornal de Santa Catarina e o Diário Catarinense. Caso não esteja enganado, para o Santaescreveste diariamente durante alguns anos. Como foi essa experiência?

M.T.: Bem legal. Escrever para jornais faz com que você tenha contato direto com o público, ainda mais em tempos de internet. Outra coisa bacana é a obrigatoriedade da escrita diária. Não importa a sua inspiração ou o seu estado de espírito: todo dia tem que sair uma crônica. Devo ter escrito muita porcaria por causa disso, mas em geral eu acho que dava conta do recado.

H.L.: E atualmente, ainda escreve para algum jornal, site ou mesmo blog?

M.T.: Não.

H.L.: E na ausência de inspiração para a escrita, o que você faz?

M.T.: Nada.

H.L.: Que conselho você daria para alguém, um jovem ou uma jovem, que aspira a escrever livros, ter uma carreira como escritor?

M.T.: Desista enquanto é tempo.

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