“Cabeça Dinossauro” completa 30 anos e ganha tributo em coletânea de contos

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Cada um por si e Deus contra todos traz versões literárias das faixas que compõem o disco

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Os Titãs, em sua formação original, nos anos 80, quando foi lançado o Cabeça Dinossauro

 

A história do rock brasileiro tem o ano de 1986 como um dos mais notáveis.

Foi nesse período, em meio à ilusão precoce do Plano Cruzado e aos ecos da primeira edição do Rock in Rio, que a Legião Urbana lançou o álbum Dois; o RPM, Rádio Pirata Ao Vivo; e os Paralamas do Sucesso, Selvagem?.

Foi também, em 1986, que os Titãs lançaram Cabeça Dinossauro.

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Capa da coletânea “Cada um por si e Deus contra todos”

Com uma sonoridade pesada e agressiva, o terceiro disco do grupo paulista trazia letras severamente críticas, atacando “a moral e os bons costumes” e instituições, a exemplo da família, da polícia e da igreja. Sobrou até para o tão bem aceito pacote econômico do presidente Sarney.

Passados 30 anos, Cabeça Dinossauro não se mostrou apenas um estupendo disco de rock (foi eleito, em 1997, pela revista Bizz, o melhor disco nacional de RockPop de toda a história), mas um álbum que não se rendeu ao tempo. Polícia, Igreja, Dívidas e Homem Primata trazem letras que refletem perfeitamente os dias de hoje. Além disso, são canções que, desde suas estreias, estão entre as preferidas dos fãs.

A fim de celebrar esse disco icônico, Cada um por si e Deus contra todos traz contos inspirados em suas 13 faixas. Organizada pelo escritor carioca André Tartarini, a coletânea tem a participação de autores como Mariel Reis, Cristina Judar, Márcia Barbieri, Vivian Pizzinga e Ricardo Calazans, que dão suas versões literárias para um repertório de clássicos do rock’n’roll brasileiro.

Em entrevista exclusiva ao Homo Literatus, Tartarini fala sobre a concepção do livro, dentre outros assuntos:

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O escritor André Tartarini, que idealizou e organizou a coletânea de contos

Qual foi seu primeiro contato com o disco Cabeça Dinossauro, dos Titãs?

Eu tinha 10 anos na época do lançamento. Lembro que foi a primeira vez que ouvi um disco em que a letra de uma música dizia “vão se foder!”. A tônica inconformista, iconoclasta e revoltada do disco era algo com que eu não estava habituado, e me chamou muito a atenção. Eu estava descobrindo o rock nacional com Legião Urbana, Ultraje a Rigor, Ira!, Paralamas do Sucesso, Plebe Rude. O contato com o Cabeça Dinossauro acendeu uma luzinha qualquer, que me fez querer prestar mais atenção em músicas de caráter mais crítico, mas que também já estava presente nos sons de outras dessas bandas. Dali, pouco tempo depois, deparei com bandas como Garotos Podres, Inocentes e Cólera, que já traziam um discurso mais nervoso e uma atitude mais “faca no bucho”. A porta de entrada para isso foi o Cabeça Dinossauro.

Como surgiu a ideia de organizar uma antologia sobre o disco?

A vontade de brincar com isso (textos inspirados em músicas) já vinha há mais tempo. Alguns discos passaram pelo foco. O Cabeça… se adequou porque é um disco que me marcou muito individualmente, além do fato de fazer 30 anos, em 2016, e o diálogo entre os momentos históricos (o atual e o do lançamento do disco) é impressionante. Outra coisa interessante é que os títulos das músicas abrem temáticas muito fortes e bem definidas (porrada, polícia, igreja, dívidas, família etc).

O Cabeça Dinossauro é um disco pesado, nervoso, com letras críticas e agressivas. Como os autores convidados transpuseram essa energia para os contos?

O Cabeça… é de fato um disco nervoso, mas esse “nervosismo” se abre em diferentes frentes. Família, por exemplo, é uma música leve (talvez falsamente leve, né?). O que não é exatamente leve, porém migra para o lado do eletrofunk. Mas, sim, é um álbum predominantemente agressivo, e a transposição dessa agressividade para as páginas se deu de maneira diversificada. Sempre procuro convidar autores de diferentes estilos, para que os textos apresentem personalidades individuais. Mesmo que uma unidade maior não se mantenha (num caso em que os contos apresentariam uma pegada similar), está aí, na minha opinião, a maior força do trabalho: a multiplicidade de abordagens. Então tem histórias mais agressivas, outras menos. Humor aqui e ali. Na verdade, pra entender isso, só lendo o livro mesmo!

É muito interessante que, passados 30 anos, faixas como Polícia, Igreja e Dívidas mostram-se atuais. O que pensa disso?

O que penso é que, como registro histórico, o disco mostra o quanto estamos empacados, ou andando a passos de tartaruga, ou em alguns casos até retrocedendo. É engraçado pensar que músicas feitas há trinta anos poderiam ter sido compostas no dias de hoje. E isso talvez seja a principal crítica social que poderemos extrair da obra.

Nos últimos anos, houve uma proliferação de antologias de contos inspirados em canções. Como entende esse diálogo entre música e literatura?

Sempre busco motes interessantes para pensar em projetos coletivos de literatura, e é a primeira vez que me proponho a investigar essa conversa “música – literatura”. Gosto muito de ver o que uma centelha artística pode gerar através de outra manifestação. Enquanto a música estabelece um diálogo que vai além das letras, a literatura depende só da palavra propriamente dita. Me intriga ver a gama de caminhos e soluções que cada autor cria para trilhar um caminho proposto (ainda que seja um caminho totalmente aberto). Quando a gente entrega a faixa título Cabeça Dinossauro e o cara inventa uma história a partir disso, fica clara a maluquice que permeia isso tudo.

Cabeça Dinossauro não é a primeira antologia que comanda. Organizar antologias de contos é também uma forma de defender o gênero literário?

Claro! Mas não só. Os projetos coletivos que toco bebem muito na fonte de uma diretriz do punk (“faça você mesmo”). Me agrada bastante pensar o processo como uma coisa levada pelo grupo, ou seja, além de simplesmente escrever, sempre conto com um engajamento por parte do pessoal, não só em termos de divulgação. Tento inserir todo mundo em todas as etapas do processo, sempre que possível. Quanto mais mão na massa a gente meter, melhor. Carregar saco de cimento, pôr balde na goteira, é quase que tentar encontrar um trabalho braçal na literatura. E acho que isso é, sim, defender o gênero literário da maneira mais orgânica possível.

Qual seria o seu disco ideal para inspirar uma antologia de contos?

Sempre imaginei tocar um projeto inspirado no disco Tábua de esmeralda, do Jorge Ben.

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Serviço

Cada um por si e Deus contra todos – Cabeça Dinossauro: O Livro (240 págs.)

Editora Tinta Negra

R$ 44, 90

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