5 Motivos que fazem Ana Cristina César a escolha perfeita para a FLIP 2016

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A obra de Ana Cristina César ainda não é tratada do jeito que merece

Ana Cristina César
Ana Cristina César

Em 2016, a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) homenageará a carioca Ana Cristina César, que foi, além de poeta, excelente crítica literária, ensaísta e tradutora. Dotada de uma cultura extensa, tanto erudita quanto popular, Ana Cristina é representante da geração mimeógrafo, também conhecida como marginal, que fez a literatura brasileira contemporânea da década de 70. Confira abaixo cinco motivos que fazem dela a escolha perfeita para a cerimônia!

  1. Lutas femininas em alta Em 2014, a escritora norte-americana Joanna Walsh criou a hashtag #ReadWomen2014 (#LeiaMulheres2014), procurando incentivar a leitura de autoras, já que o mercado editorial é ainda tão fechado para as mulheres. Nos últimos anos, a questão da representatividade feminina na literatura tem ganhado muito espaço em diversas discussões, tanto na internet quanto em universidades. Destacar a obra de Ana Cristina é histórico: ela é apenas a segunda mulher agraciada em catorze edições do evento. A primeira foi Clarice Lispector, em 2005.
  2. Ela terá a obra lida com mais seriedade A obra de Ana Cristina, muito moderna para alguns, muito hermetista para outros, ainda não é tratada do jeito que merece. Autores que brincam com a autoficção – recurso frequentemente utilizado por ela – são recebidos de maneira confusa, tanto pelo público quanto pela crítica. Muitas vezes, os leitores confundem o eu empírico (a própria Ana Cristina) e o eu lírico dos poemas, reduzindo as múltiplas interpretações literárias possíveis. É hora de ler Ana C com mais respeito.
  3. Texto acessível Em 2013, com a curadoria do amigo Armando Freitas Filho, a obra completa de Ana foi reeditada pela Companhia das Letras, em uma elegante edição chamada “Poética”. É facilmente encontrável em qualquer livraria, tornando o seu texto próximo e ainda atual. Curiosidade: no poema “instruções de bordo”, de Cenas de Abril, a dedicatória é “para você, A.C., temerosa, rosa, azul-celeste” (CESAR, 2013, p.24), sendo que “A.C.” nos parece uma sigla para “Ana Cristina”. Não por acaso, seguindo as “instruções de bordo”, a Companhia selecionou as cores citadas para fazer o projeto gráfico da “Poética”. Delicado detalhe.
  4. Precisamos superar a veneração cadavérica da sua pessoa empírica Como é de conhecimento público, Ana se matou em 1983, ao atirar-se da janela do apartamento dos pais. Isso, para os literatos, foi um prato cheio: gostamos de romantizar almas incompreendidas e poetas atormentados, vibrando ainda mais quando eles mesmos põem fim à própria vida. Já é hora de parar com isso. Além de ser uma cultura perturbadora, fúnebre, prejudica também a leitura da sua obra: passamos a procurar, nos poemas, indícios e traços suicidas. Atitude que é, como já mencionado, fruto da confusão provocada pela autoficção. O eu Ana Cristina, pessoa empírica, que se matou, não é o mesmo eu dos seus poemas. Não há por que tentar encontrá-lo nos seus livros.
  5. Trazer mais luz à sua geração ‘marginal’ Talvez, por ter sido denominada com esse nome, a geração dita ‘marginal’ não tenha ganhado a atenção que merece. Escritores da década de 70/80, esses poetas ainda são pouco conhecidos pelos brasileiros, raros nas escolas e ainda mais nas prateleiras. O público geral é apresentado a eles apenas quando são reeditados (como aconteceu com “Toda Poesia”, de Paulo Leminski, que virou best-seller) ou homenageados em eventos como esse. Torçamos para que, com a ascensão de Ana C, os seus colegas de mimeógrafo ressurjam também.
  6. Um motivo final de bônus

cabeceira

Intratável.

Não quero mais pôr poemas no papel

nem dar a conhecer minha ternura.

Faço ar de dura,

muito sóbria e dura,

não pergunto

“da sombra daquele beijo

que farei?”

É inútil

ficar à escuta

ou manobrar a lupa

da adivinhação.

Dito isto

o livro de cabeceira cai no chão.

Tua mão que desliza

distraidamente?

sobre a minha mão

 

Referências:

CESAR, Ana Cristina. Poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

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