Alerta de Risco e as perturbações de Neil Gaiman

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Alerta de risco é o mais recente lançamento de Neil Gaiman no Brasil. É a terceira coletânea de contos de um dos escritores contemporâneos mais produtivos da atualidade. O autor divide com os leitores o processo de criação de cada história.

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Na introdução do livro Alerta de risco – Contos e perturbações, que acaba de ser lançado no Brasil, Neil Gaiman pede desculpas ao leitor. Pede complacência e perdão. Mas não seria necessário esse pedido de boa vontade de uns dos mais prolíficos escritores contemporâneos. Fãs podem escolher onde querem ler, ver ou ouvir as façanhas criadas pelo autor, que parece não ver limites para o próprio processo criativo. Livros, HQs, obras ilustradas, roteiros para cinema, séries de TV, podcasts, não se passou um ano, nos últimos cinco, que Gaiman não tenha entregue para o público alguma de suas criações. Para 2017, já está previsto para abril o lançamento de Norse Mythology, uma história com os deuses nórdicos Thor, Odin e Loki.

Por enquanto, fãs brasileiros têm em Alerta de risco uma espécie de bazar de experiências literárias. Gaiman brinca em seus contos com diversos gêneros narrativos. É possível ver a mão para HQ do autor, assim como a verve de romancista e roteirista de cinema. Ele deixa claro isso. É o próprio escritor que diz que muitas ideias cortadas de roteiros de especiais para a TV e Rádio BBC no momento de produção acabaram incluídas em seus contos. Com isso, Gaiman passa um exemplo claro para aspirantes a escritor – ideias estapafúrdias um dia podem ser reaproveitadas. Mas a maneira com que Gaiman faz isso está muito longe de ser algo pejorativo ou uma mera reciclagem de histórias, ao contrário, é encorajador. Nas palavras do escritor: “os contos são espaços em que posso alçar voo, experimentar, brincar. Tenho a oportunidade de cometer erros e embarcar em pequenas aventuras”.

Para cada um dos contos do livro, Gaiman decidiu fazer comentários a respeito da construção. Sobre A verdade é uma caverna nas Montanhas Negras disse: há histórias que construímos e há histórias que montamos, e há, ainda, as histórias que arrancamos da pedra, removendo tudo o que não faz parte dela”.

Um fato curioso nesses contos são os títulos. Palavras solitárias ou onomatopeias, como Xique-xique chocalhos – um conto de mistério e horror para o público infantil. Gaiman consegue aliar humor negro com obscuras formas tiradas dos medos infantis: monstros do escuro, figuras que aterrorizam o imaginário da criança mescladas com personagens de fantasia já conhecidos por todos, como vampiros, ou fábulas modernas, com criaturas que surgem nas lendas urbanas ou são recriadas pelo escritor.

capa_alertaderisco_imgA coletânea de contos tem altos e baixos. Talvez, por ser resultado de experimentalismos do autor. Mas isso não chega a ser um problema, pois o leitor é convidado a embarcar nessas experiências de linguagens do escritor, que consegue transportar para o livro cenários que facilmente poderiam estar em HQs. Os textos também homenageiam obras e personagens consolidados para o público, como Doctor Who, e A volta do magro Duque Branco é uma declarada citação a uma canção de David Bowie. Esse conto é resultado de um trabalho para uma revista de moda japonesa, na qual Gaiman fez um texto para acompanhar as ilustrações de Bowie e da esposa, Iman.

As formas e a temáticas dos contos de Alerta de risco são caleidoscópicas. A cada leitura um novo prisma se destaca, pois as narrativas estão diretamente conectadas a outros elementos do trabalho do escritor, seja na TV, cinema, referências artísticas e performances as quais Gaiman está ligado. Como diz subtítulo do livro, o objetivo é perturbar, incomodar e Gaiman o faz por meio de referências já conhecidas pelo leitor, que interage com os textos, como se esses fossem velhos conhecidos. Está aí a grande qualidade do livro. Ao mesmo tempo que traz quem lê para uma zona de conforto, dá uma sacudida e perturba os mais desavisados, faz adentrar em um universo onírico. Ficção científica, fantasia, mistério, horror, poesia, histórias sem substância ou nexo. O alerta foi feito. Para o leitor, resta tentar entrar na mente criativa de Neil Gaiman.

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