Suspense e mistério são duas técnicas narrativas diferentes, apesar de possuírem efeito semelhante, e são utilizadas essencialmente nas obras de horror e de terror
Noëll Carroll, em A filosofia do horror ou paradoxos do coração, procura delimitar o gênero do horror. O teórico trabalha com o que denomina “horror artístico”, isto é, o efeito estético provocado por obras de horror, em oposição ao “horror natural”, que seria o medo provocado por desastres naturais ou guerras. Ao mesmo tempo, nem toda obra que horroriza o leitor faz parte do “horror artístico”. O assassinato em O estrangeiro, de Camus, ou a depravação sexual em Os 120 dias de Sodoma, do marquês de Sade, apesar de horrorizantes, não são considerados como exemplos do “horror artístico”, pois trabalham com monstros morais, humanos.
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O horror como gênero
Apesar de já existirem referências ao horror desde a Antiguidade, como as histórias de lobisomem em Satiricon, de Petrônio, o horror como gênero teria tomando forma entre os séculos XVIII e XIX, com o gótico inglês. O horror é nomeado de acordo com o afeto (affect) que provoca, isto é, obras de horror têm por objetivo provocar o efeito de horror no público a que se destina. Para isso, a presença de monstros se faz essencial. O monstro do horror tem origem sobrenatural ou de ficção científica, no que se diferencia do monstro do terror, em geral um ser humano que sofre de distúrbios psicopatológicos.
Um elemento que diferenciaria as obras de horror de outras histórias onde aparecem monstros seria a reação dos outros personagens em relação ao monstro: no horror, o monstro é visto como anormal, aterrorizante, enquanto em gêneros como os contos de fadas eles são naturalizados naquele universo fantástico. O monstro do horror precisa, portanto, quebrar a ordem natural dos sistemas ontológicos conhecidos, é um ser extraordinário num mundo ordinário. Para Carroll, o monstro do horror seria uma criatura cuja existência não seria sustentada pela ciência contemporânea, e provocaria, ao mesmo tempo, as reações de medo e repulsa.
O suspense nas narrativas de horror
O suspense é um elemento narrativo importante para a maioria das histórias de horror. Há perseguições das vítimas pelo monstro, confirmações demoradas da existência do monstro, confrontos difíceis para salvar a humanidade, várias cenas que podem ser exploradas com suspense. Para tentar definir o conceito de suspense, Carroll postula que a maioria das narrativas seria erotética, ou seja, supõe que as cenas, situações e acontecimentos posteriores se relacionarão com os anteriores. Por exemplo, numa trama policial, um assassinato gera a curiosidade de saber quem foi que o cometeu, o que será descoberto a partir dos acontecimentos das cenas posteriores. Via de regra, esses enredos funcionam com base no modelo pergunta/resposta. Uma cena dá margem à determinada dúvida, que será respondida na(s) cena(s) seguinte(s).
O suspense, segundo Carroll, seria gerado por uma pergunta, lançada em cenas anteriores, que aquela cena tenta responder. Por exemplo, quando uma vítima está a mercê do monstro, há o suspense de saber se ela será salva ou não. Constantemente, esse elemento de suspense envolve uma questão moral: a captura do monstro é um bem moral, mas parece improvável, na estrutura clássica. Carroll também diferencia o suspense do mistério: enquanto aquele envolve apenas duas alternativas (a vítima sobrevive ou morre, o monstro é capturado ou escapa), este engloba várias possibilidades (os suspeitos de um crime, por exemplo).
O terror, segundo Stephen King
Stephen King, em Danse Macabre, distingue as categorias terror, horror e repulsa. No terror, há um tipo de apreensão do desconhecido, porém o monstro não aparece, tudo fica por conta da imaginação. No horror, o monstro se manifesta e causa uma reação física negativa, por sua anormalidade. Na repulsa, o monstro é grosseiro a ponto de causar nojo extremo. Carroll resume assim a teoria de King: o terror seria medo + imaginação; o horror seria medo + retrato gráfico; e a repulsa seria medo + retrato gráfico grosseiro.
Os livros de Carroll e de King são basilares para aqueles que gostariam de se aprofundar nas especificidades dos gêneros de horror, terror e suas técnicas.
Referências:
CARROLL, Noël. A filosofia do horror ou paradoxos do coração. Trad. Roberto Leal Ferreira. Campinas: Papirus Editora, 1999.
KING, Stephen. Danse macabre. Nova York: Berkley Books, 1987.