A ascensão dos livros religiosos e a queda da literatura no Brasil

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Os livros religiosos têm batido recorde de vendas e têm se destacado como uma preferência nacional. Quais são os motivos?

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Um estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) para a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e para o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), referente aos números do setor editorial brasileiro no ano de 2015,  mostrou que a participação no mercado do gênero de livros religiosos saltou de 16,24%  em 2014, para 19,62% em 2015, sendo a segunda categoria mais fabricada no Brasil, atrás apenas dos didáticos. Já os títulos de literatura, tanto adulta quanto infantil e juvenil sofreram queda significativa. Como o governo federal parou de comprar livros em 2015 para programas de incentivo à leitura, houve grande redução na venda de títulos, principalmente infantis e juvenis. Uma pesquisa anterior já havia demonstrado que o livro mais lido pelo brasileiro é a Bíblia.

Em um passeio pelas livrarias é possível confirmar o estudo sobre as preferências de leitura do brasileiro dando uma olhada pelos títulos mais vendidos. Os religiosos estão ao lado dos livros de autoajuda na preferência nacional, e podemos considerar que o sucesso na venda dos títulos de autoajuda se explica no modo como muitos deles de apoiam em metáforas e parábolas de textos bem conhecidos, entre eles, a Bíblia. É significativo notar, por exemplo, que embora não esteja em nenhuma das duas categorias, entre os livros mais vendidos em 2014, está o último da trilogia sobre a vida do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal, Nada a Perder, que vendeu  752.973 exemplares e que, digamos, não deixa de se enquadrar nos dois gêneros. Mas o que poderia explicar o fenômeno do aumento nas vendas de livros religiosos?

Há motivos nada milagrosos como o crescimento frequente de fiéis nas igrejas evangélicas, (segundo último Censo de 2012, em 10 anos houve um aumento de 61% no número de evangélicos), que por sua vez também impulsionou o mercado musical do gênero gospel; e o surgimento nas últimas décadas da chamada Renovação Carismática na igreja católica.

Entre os autores evangélicos bem cotados estão, além de Edir Macedo, sua filha Cristiane Cardoso, com o livro Casamento Blindado, que ela escreveu juntamente com o marido e já teria vendido meio milhão de exemplares.  Entre os autores católicos, os mais estrelados são os padres Marcelo Rossi e Fábio de Mello, e entre os espíritas, temos Zíbia Gasparetto e Mônica de Castro. Fora isso há um marketing forte por trás desses resultados, em especial das igrejas evangélicas e católicas, aliado às ferramentas digitais; a Bíblia já foi disponibilizada em formato eletrônico e já é possível acompanhar cultos pela internet.

Uma outra razão pode ser desvendada pela psicologia. Em épocas de crises, de grandes mudanças, as pessoas se sentem sem rumo e precisam se apegar a alguém ou alguma coisa que lhes indique um caminho ou uma esperança de felicidade e salvação, papel esse que no passado já pertenceu às religiões, passou depois para os gurus da autoajuda e agora volta para as religiões.

Mas, analisando por outro ângulo, uma característica também explica o crescimento na venda de livros religiosos e na queda de títulos da literatura. No Brasil, onde o ensino fundamental é precário e não tem uma tradição de gosto pela leitura, onde uma parte ainda chega ao ensino superior e até passa por ele com dificuldade em interpretar e elaborar um texto, nem é tão difícil assim atingir um grande público com temas religiosos, já que esses temas são uma espécie de complemento da Bíblia. Os autores desse gênero sabem o que o público quer ler e o que será mais facilmente compreendido.

O problema não está na leitura de livros religiosos ou de autoajuda, mas no interesse exclusivo por esses livros, que podem até animar e confortar o leitor, mas não exigem dele reflexão ou ação. A sociedade não consegue assim avançar e continua ao longo do tempo em um ciclo de conservadorismo tacanho.

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