Bob Dylan, o Maldito Blues-Man Rompendo Sombras e Escuridões

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“Quando ouvi Bob Dylan, pensei: Então ainda não chegamos ao fim da linha…”
– Allen Ginsberg, Poeta Beatnik

Robert Allen Zimmerman do Minnesota, oeste Americano, judeu peregrino que cantou suas marés altas e baixas, violão e gaita de boca, alma desterrada do Mississipi, poeta denuncista, humanitário, louco sonhador, chuva varrida pelo vento. As pedras rolarão. As chuvas cairão. Com ele, Bob Dylan, os loucos reaprenderam a sonhar.

Um mito dos Anos 60/70/80/90… E não existe outro. O maior poeta da rica música norte-americana. A verve de Faukner, era determinado e destemido na sua sozinhez de tímido gritante, válvula pulsante, gigante. E nunca lucrou muito com seus trabalhos. Lenda vida, espírito-que-anda do rock, subiu, desceu, foi ateu, cristão, judeu, mirabolante experimentou tudo o que pôde para permanecer ele mesmo, carne e coragem.

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Bob Dylan e Allen Ginsberg visitando o túmulo de Jack Kerouac (1974)

Hippie pop com sua metralhadora musicoletral, atacando as guerras lucrativas-infames, contra elas todas, os podres poderes; fugiu de armadilhas e não se assinou dono da verdade, qualquer verdade-vaidade. Não aceitou becos ou guetos, bandeiras. A contracultura não como cofre cheio, mas com seu ascoletral contra totens. Poesia nas letras, obsessão, sarcasmo, regurgitando o que via, fio terra, sacava – a realidade é um revólver quente, (parafraseio The Beatles) – cantava, lia, ouvia, sentia e declinava para permanecer mutante, música braba na corrente sanguínea.

Trabalhava a língua-linguagem. E profetizava enquanto poeta do caos (e pré-caos ou pós-caos) arrancando do enraizado country-folk puro e simples para fazer escalas e escolas, cifras & partituras. Escrever sobre Dylan é um perigo. Benzadeus. Rios, braços, correntes, nosso capitão. Inspirado nele faz tempo escrevi Negredos:

Negredos e Correntes (Poema)

Libertar, eles libertaram, pelo menos no papel entre moinhos e arados/
Mas se indenizaram; indenizaram os escravocratas de roubos vezeiros/
Em vez de nos indenizarem; à nós, os trabalhadores afrobrasileiros/
E de alguma maneira ainda estamos a uma coivara Acorrentados/
Os pés presos a terra, os tornozelos, os braços, os punhos cerrados/
Os olhos viajam, a mente abstrai e o espírito nos traz de longínquos degredos/
Mesmo que na nossa negritude de amalgamados/
Sejamos agora os Negredos/
Pobres Negros abandonados/
Depois de levas de escravizados/
Temos nossas memórias, lamentos, banzos e medos/
Dos filhos deste solo de mestiços com seus forcados/
Mas os olhos, a boca, os sentidos, as mãos, os dedos/
Ainda gritam contra os dezelos sociais deste Brasil de acorrentados.

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Nunca teve um sucesso dando lucro em primeiro lugar no hit parade. Não se deu lucro como seu meio. Influenciou Caetano e Belchior, o que por si só diz tudo e mostra a grandeza de ter sido o que foi e é & sempre será. Alma bem alimentada de raízes. Um branquelo judeu cor de mandioca vassourinha descascada cantando música negra feito um pré-rapper? Já pensou?

Pretos, pobres, prostitutas, moradores de rua, lutadores de boxe, gatos pardos, doidos, atirados, todos lavavam a alma no seu cantorio feito um folk-pop-banzo anglo-saxônico norte-americano. A América é um blefe? Deu vida aos miseráveis, feito um Walt Whitman pássaro preto da música em pé de guerra e letramentos contra uma América rica e injusta e amoral. Sentir dói. Testemunha de nódoas cantou-as, pulso a pulso. Um gênio na essência da palavra e também literalmente falando (por isso mesmo) tirou de letra.

Fizeram-no um mito mas ele se humanizou o mais que pôde. Não se perdeu como outros tantos, entre drogas e egos insarados nas insofrências. Não quis aura ou significante. Merece e faz tempo um Prêmio Nobel da Paz, da Literatura, qualquer coisa joiada assim.

Seu canto contra a guerra:

Senhores da guerra

“Vós, senhores da guerra
Que construís canhões
Que construís aviões da morte
Que construís grandes bombas
Que vos escondeis atrás de muros
Que vos escondeis atrás de secretárias
Quero que saibam
Que vejo através das vossas máscaras

Vós, que jamais fizestes outra coisa
Para além de construir para destruir
Jogais com o meu mundo
Como se fosse um brinquedo
Dais-me uma arma na mão
E escondeis-vos do meu olhar
E virais as costas e fugis bem depressa
Quando as rápidas balas cruzam o ar

Como o velho Judas Mentis e enganais
Quereis que acredite
Que uma guerra mundial pode ter vencedor
Mas vejo para além dos vossos olhos
E vejo para além da vossa mente
Como vejo através da água
Que escorre pelo meu cano de esgoto

Vós preparais os gatilhos
Para que outros os puxem
Depois recostais-vos e apreciais
Quando o número de mortos aumenta
Escondeis-vos nas vossas mansões
Enquanto o sangue escorre
Dos corpos dos jovens
E se mistura com a lama

Vós espalhastes o pior pavor
Que poderia ser lançado
O medo de trazer crianças
Ao mundo
E por ameaçar meu filho
Não nascido e sem nome
Vós não valeis o sangue
Que corre em vossas veias

Eu sei de muitas coisas
Para falar fora da minha vez
Talvez me chameis de jovem
Ou de ignorante
Mas há algo que sei
Embora seja mais novo que vós
Mesmo Jesus jamais
Perdoaria o que fazeis

Quero perguntar-vos algo
Se é vosso dinheiro que vale
Para comprar vosso perdão?
Se achais isso possível
Penso que descobrirão
Quando a morte vos chegar
Que todo dinheiro ganho
Não vos devolverás a alma”

(Tradução livre de “Masters of War”, do álbum “Freewheeling Bob Dylan” de Bob Dylan, lançado em 1963, tempo de guerra dos EUA contra Vietnã)

Cortou a carne da América, na sua própria. Era parte branca e opressora dela, como também era filho de imigrantes (russos-lituanos) e sabia a dor da saga, de cada um com sua diáspora, cada ser-ilha com suas mensagens de socorro em garrafas, palavras, sons, enfrentações e enfrentamentos íntimos fechados, ciclais.

Parafraseando o próprio Bob Dylan, quando o ouço, em seu sussurro vento-singer, penso que tudo o mais é sacrilégio e a minha alma voa. Uma forte chuva vai cair?

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