Conto: João e Maria Chantagistas

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Ilustração de Mayara Nardo

 

João e Maria estão tendo sérios problemas no seu relacionamento com o pai após o trauma de terem sido abandonados na floresta. Os três decidem, então, iniciar uma terapia familiar.

– Muito bem. Qual é o problema?

O pai responde à pergunta do psicólogo:

– O problema é que a nossa vida virou um inferno desde que eu recuperei esses garotos! Eu não posso mais ir à esquina que eles já acham que vão ser abandonados! Não posso comprar doces para eles, que acham que vou cozinhá-los. Vivem fazendo manha, dizem que têm pesadelos com bruxas e jogam na minha cara o tempo todo o que eu fiz. Eu não aguento mais!

– O que foi que ocasionou isso?

– Ele nos largou na floresta, foi isso o que aconteceu! – João fala, num tom revoltado – Agora me diga, moço, que tipo de pai faz isso com os próprios filhos?

– Nós estávamos passando fome! Era uma situação de desespero.

– E abandonar os filhos na floresta realmente é uma solução muito boa. Por que você não largou logo aquela mulher?

– Porque eu estava cego de paixão! Foi ela quem me influenciou a me livrar de vocês.

– Não vem com esse papinho não! Você sempre foi um péssimo pai! Só devia estar esperando uma oportunidade.

– Mas eu recebi vocês de volta!

– Claro! Para colocar a gente para trabalhar, cuidar da casa, cortar lenha! Agora que a megera te deu um pé na bunda você ficou sem ter onde cair morto!

– Não fale assim comigo!

– Por favor, acalmem-se. – interrompe o terapeuta.

– Você está vendo como esse menino ficou rebelde?

– Como você esperava que eu ficasse?

– Não me responda!

– Parem com isso! Por favor.

João abaixa a cabeça, ressentido.

– Desculpe. Mas é que é difícil para nós, você entende?

– Claro que entendo. Mas é para isso que estamos aqui, para resolver esses conflitos.

– É o que eu realmente gostaria. – retomou o pai.

– Só para se fazer de bonzinho para os outros.

– João! Chega!

– A gente sempre leva algumas migalhas de pão quando vai passear. Sabe lá quando você pode decidir abandonar a gente de novo por aí…

– Eu jamais faria isso!

– Você diz isso porque ainda não encontrou outra madrasta má. Aliás, outro dia eu te vi flertando com a nova vizinha. Ela é doceira. Sabe como é, a gente tem trauma com mulheres que oferecem doces. Ela pode não ser de confiança. E do jeito que você é influenciável…

Maria começa a chorar, aflita com a discussão. Um choro agudo e incômodo.

– Calma, filha. Não precisa chorar.

João abraça a irmã, num gesto protetor.

– Ela está cansada desse clima de brigas.

– É você quem começa, João. Eu estou tentando melhorar.

– Não adianta, papai. Nós não confiamos mais em você. Crianças escaldadas têm medo de água fria.

– Maria, pare de chorar! Por favor! Eu compro um brinquedo para você depois!

– Eu quero um urso de pelúcia! Grande, bem grande! – manifesta-se a garota.

– Tudo bem, eu compro! Agora se comporte.

– Olha isso! Sempre tentando comprar a menina com presentes! – João voltou a atacar o pai.

– Mas será que eu não posso fazer mais nada?!

– Claro que pode. Se comprar um presente para mim também, ficamos conversados.

O terapeuta anota em seu bloco: chantagem emocional; desestrutura familiar. E pensa: esses vão dar trabalho.

 

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