Crônica: As estruturas familiares – Vilto Reis

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Você finalmente para, após uma vida de saudável ignorância, com o objetivo de analisar as estruturas familiares. Alguma chave da ignição da consciência foi tardiamente ativada, o que por si só corresponde a uma frustração depressiva diante da compreensão de como funcionam os mecanismos ilusórios desta infâmia social.

O filho mais novo quer ser algo que os pais não entendem. O mais velho não entende o mais novo, mas nem por isso ele (o filho mais velho) é o que deveria ser, na concepção dos pais.

A mãe quer aumentar a casa para cima; o marido não quer. O filho mais novo pensa que ao mexerem na casa a estarão desvalorizando. O mais velho não liga para isso.

O pai gosta de futebol e por isso quer comprar um televisão maior. A mãe quer que ele compre, pois acredita, ingenuamente, que poderá passar mais tempo assistindo. O filho mais velho não liga, pois passa pouco tempo em frente ao aparelho. O mais novo é indiferente, embora veja na televisão um meio de comunicação com o pai, perante as partidas que assistem juntos; em que ele (o filho mais novo) está interessado apenas em conseguir, possivelmente, ter algum diálogo com o pai.

O filho mais velho tem um diploma de curso técnico de contabilidade. O filho mais novo está na graduação dalgum curso relacionado à arte. A mãe exibe na parede rosa do quarto do casal, numa moldura verde desbotada, seu diploma de oitava série. O pai não tem nenhum, a não ser uma placa de vinte e cinco anos como colaborador de uma empresa têxtil (em que seu nome aparece com uma letra a mais (erro do setor de Recursos Humanos, que se preocupa com o a saúde física e emocional dos funcionários)).

Todos defendem a ideia de que a família deve permanecer junta e unida, mas o filho mais novo lê nas horas vagas, o mais velho joga xadrez, o pai procura serviço no quintal e a mãe fica bordando ou assistindo programas de televisão sobre como educar cachorros.

O filho mais novo sonha em ser escritor, o mais velho em terminar a casa inacabada, o pai em trocar o carro ano noventa e seis por um dois mil e treze, a mãe em viajar para vários lugares, embora resista a sair de casa até na hora de visitar a irmã.

Eles se amam amam amam amam amam…

Então você assiste ao espetáculo familiar diariamente, implorando para que as pequenas variações possíveis no roteiro venham, de alguma forma, criar algum suspense.

Você poderia poderia poderia poderia poderia fazer alguma coisa.

Quem sabe pudesse dizer a eles que quando um dos integrantes da Família morresse, os outros sentiriam falta; mas isso certamente suscitaria uma discussão interminável, com muito amor fraterno, sobre quem faria mais falta.

Isto tudo, porque eles se amam amam amam amam amam…

Você sabe disso, mas não diz, e eles também não.

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