Crônica: O Dia Vai Passar – Diogo Marins Locci

0

Tem dia de boa vontade e tem dia de pirraça. Tem dia de sorriso bobo e tem dia de choro desmotivado. Tem dia de “Bom dia!” e tem dia de “Vai pro inferno.”. Tem dia de reticências e dia de ponto final. Tem dia pra se encolher e dia pra se espreguiçar. Dia que dura muito e dia que acaba num pulo. Tem dia que o isqueiro está fácil de alcançar e dia que tem que ir pra padaria comprar.

Tem dias que são girassóis e dias de lágrimas de cristo. Tem dias que as pessoas estão in pra tudo, alguém faz uma proposta out e aí se descobre quais são da turma do all right. Tem dia que o corpo é leve e dia que o braço pesa, que a cabeça machuca e o pescoço cede. Tem dia você é meio James Dean ou Marilyn Monroe, galopando pelas ruas com a sorte ao seu redor. E são bem esses dias que precedem aqueles em que você é o Wilson do filme Náufrago, trotando por desertos de indiferença.

Tem dias que são noites. Noites que são claras. Luz que atrapalha. Tem também dia do caçador. E o dia seguinte, muitas vezes, continua sendo dele. E o seguinte do seguinte do seguinte também. Tem dia pra se acalmar, pra dizer que ama e pra olhar pros olhos. Tem dia pra deixar os nervos avermelharem o rosto, pra pensar se ama mesmo e pra olhar pra cima, na mais pura demonstração de desdém.

Tem voz que acalma, que dá vontade de pegar na mão, de moldar um corpo pra que você deite e descanse. Tem dia que tudo cansa, que o dia não tem lacunas e tudo o que você quer é cama. Tem dias só de cama, onde tudo que você deseja é que seu tempo volte a se estreitar, como se as atividades fossem amigas que o estivessem chamando para a alegria de tê-las por perto. Tem dias que são névoas que se dissiparão no primeiro olhar do sol. Outros dias são paredes gigantes que se interpolam na mente, ocupando um espaço que vai determinar o que as pessoas vão chamar de caráter ou personalidade.

Tem choro que amarga a boca e choro que esvazia a mente. Mente que já é vazia. Vazio que dá vontade de encher. Vazio que dá vontade de jogar no lixo. Lixo que dá vontade de reciclar. Sequência que dá vontade de quebrar. Regra que a gente não quer seguir.

Tem dia que a gente acredita em fantasia. Que dá pra pensar que se eu colocar uma ponta do canudinho na boca e outra na cabeça, posso estufá-la até sair voando por cima dos arranha-céus. Que eu vou estar no meio da rua com alguma coisa muito importante pra falar e então alguém vai começar a cantar pra mim e eu também vou cantar pra ela, e nós vamos cantar juntos pelas ruas até que todo mundo venha dançar a nossa canção, todos coreografados e com vozes impecáveis, mesmo sem nunca termos ensaiado nada antes. Que alguém vai chegar e dizer “Você é muito do que o mundo precisa”. Que o inseto vai crescer, crescer, crescer e começar a se queixar de todo mundo falar que ele é feio, que isso e que aquilo outro e aí você vai entender o inseto e vai ser amigo do inseto e quiçá beijar a boca sem lábio do inseto e olhar nos olhos de mil lados, encontrando a sinceridade que ninguém nunca ofereceu.

Tem dia de topar o mindinho no móvel da sala e dia de achar dinheiro no bolso da calça. Dia de acreditar que alguma amizade vai durar pra sempre e dia de encarar que os amigos, os amores, mas também as dores, são passíveis de ir embora. Tem dia que você não se vê sem e dia que dá vontade de largar. Dia pra esquecer e dia pra ter vontade que se pudesse esquecer.

Tem dia que você vai pensar que acabaria com um monte de dias que já se passaram e dia que você vai entender que, mesmo que os dias pudessem ser sequestrados, você pagaria um alto preço pra tê-los de volta, já que nada é mais seu do que os seus dias. Tem dia que os dias que passaram vão parecer não terem sentido, mas também haverá o dia em que o agora vai te fazer entender que se não fossem aqueles dias, este dia não teria sido o que foi, você não seria o que é e o dia ia acabar de um jeito estranho, estranho, estranho…

Não há posts para exibir