Crônica: O leitor sem preconceitos – Vilto Reis

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Você realmente sabe que o cara é um leitor quando ele é um LEITOR SEM PRECONCEITO.

Até porque, o leitor sem preconceito embarca no ônibus, vê a menina sentada com um livro na mão, faz toda aquela série de contorcionismos circenses até ver a capa do tal livro, só pela satisfação de exclamar, “ah! É esse”.

O leitor sem preconceito é tão, mas tão, sem preconceito, que não faz acepção de pessoas, desde que elas estejam com um livro na mão, óbvio. Às vezes, dia sim, e o outro também, quando vê alguém segurando um tomo de histórias, é capaz de não somente dar o seu lugar, como de tirar um paninho, com detergente, e limpar o banco para o sujeito livresco poder se sentar (o mesmo procedimento jamais é adotado com idosos, deficientes ou grávidas).

Ele, o leitor sem preconceito, é desses entusiastas que quando vai ao sebo, passa horas a fazer companhia para as traças, já que elas, e ele, têm um sonho em comum, passar a vida dentro dos livros.

Nas livrarias, o leitor sem preconceitos costuma alternar seus pedidos entre os bestselers do momento; e autores que nem os vendedores ancestrais da casa ouviram sequer falar. Isso quando ele, o leitor sem preconceito, não é expulso do local, por ficar lá em pé, todos os dias, pegando sempre o mesmo livro, até acabar de lê-lo.

Ah, o leitor sem preconceito, sujeito estranho, mas simpático. As adolescentes gostam dele, pois não fica o tempo todo criticando o gosto literário delas; os empreendedores gostam dele, já que não os censura por ficarem lendo seus tomos de autoajuda empresarial; e toda uma gama de pessoas – como: os nerds que exercitam suas espadas imaginárias; os frustrados por não terem uma vida emocionante policiesca; os que queriam ser cientistas e não foram; as senhoras taradas que satisfazem seus desejos nas viagens literárias; e até a sogra, que sob a recusa dos filhos na hora de lerem suas receitas de bolo, conta com a ajuda do leitor sem preconceitos – gostam dele.

Pela manhã, o leitor sem preconceito toma café lendo Mário Quintana, almoça com Nelson Rodrigues, vai para o café da tarde com a Lispector, e na janta tem a parceria do Machado. Sem falar que se for na quarta-feira a noite, fica assistindo o campeonato paulista, obviamente, enquanto lê o Stanislaw Ponte Preta.

Sim, o leitor sem preconceito é um sujeito peculiar, colecionador de momentos interessantes; como na vez em que alguém lhe perguntou:

– Mas você deve até sonhar com os livros, não é?

E então ele respondeu que era uma boa ideia. Naquela noite, assim que foi pra cama, substituiu o travesseiro por uma pilha de livros; e segundo ele, finalmente sonhou com os livros, já que eles dormiram, obscenamente, juntos.

Que sujeito espetacular este leitor sem preconceitos, fico até aqui pensando se um dia eu conseguirei ser um.

Será possível?

 

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