Digam a Satã Que o Recado Foi Entendido, de Daniel Pellizzari

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“É outra coisa que aprendi bem cedo. Ser humano é estar confuso. Não. Ser humano e medíocre é fingir que não existe confusão nenhuma. Que está tudo bem, que tudo é fácil, que qualquer coisa vai dar certo. Mas ser humano, humano mesmo, é admitir que não é bem assim”. (pg. 19).

É preciso que se diga que este romance pertence à coleção Amores Expressos, projeto que enviou dezesseis escritores brasileiros a cidades pelo mundo, durante um mês, para escreverem um livro de ficção baseado nesta experiência. Digam a Satã Que o Recado Foi Entendido, de Daniel Pellizzari, publicado pela Companhia das Letras, foca-se na Irlanda, mais precisamente em Dublin, onde se passa a tumultuada história.

Magnus Factor é sócio duma agência de turismo especializada em roteiros por locais, supostamente, mal-assombrados de Dublin. Vê a mulher com quem vive ir embora de uma hora para a outra. Resta-lhe então sua vida de solteiro, entre trabalho, vídeo game e

Companhia das Letras, 2013
Companhia das Letras, 2013

beber nos inúmeros pubs que a cidade irlandesa abriga. Seu sócio, Barry, e o mais próximo de algo que se possa chamar de melhor amigo, é um irlandês patriota ao extremo, que detesta os imigrantes, com exceção das mulheres, assunto principal de seu interesse. Patricia é uma menina de treze anos em fuga de casa, buscando uma montanha alta e com neve onde pretende se matar, e acaba encontrando a seita de Demetrius Vindaloo, um homem que baseia sua crença numa mistura de mitologia celta com alienígenas. Uma série de outros personagens vai surgindo, como Laura, que passa a fazer parte da vida de Magnus; o polonês Zbigniew, funcionário de Barry e Magnus que comete um ato extremo no decorrer do livro; Stuart, um escocês com quem Barry mora; entre outros. Os fios da trama vão se interligando de forma a apresentar cada um dos personagens.

“Somos bastante diferentes, reconheço, mas na vida existem duas alternativas. Ou prestamos atenção naquilo que nos separa dos outros, ou resolvemos prestar atenção nas coisas que nos unem. Tento me concentrar na segunda opção. Talvez eu seja masoquista”. (pg. 36).

Num livro relativamente curto, não chega a duzentas páginas, como inserir tantos personagens? Pellizzari deu voz a eles, pois tem vários narradores no decorrer das páginas. Magnus Factor é o personagem principal, mas fica evidente que a estratégia do escritor foi usá-lo como espelho naquele recorte apresentado de Dublin. Para que fique claro, diferente de outros protagonistas, Magnus não é ativo, pouco decide, pouco faz. É quase como se ele apenas estivesse seguindo o curso natural pré-programado de sua vida (aqui vale a leitura de um dos melhores trechos do livro, em que no meio dum assalto dois pós-adolescentes discutem o livre-arbítrio). O grande problema de usar Magnus como espelho é que em certos momentos do livro, vários deles, o leitor tem mais vontade de ler sobre os outros personagens do que sobre o protagonista. Não sou o primeiro a achar que Barry, como seu estilo maluco desbocado, é muito mais interessante. Acredito que o leitor se projete nele, pois todo mundo já teve aquele dia em que desejou não se importar com mais nada, simplesmente ir lá e fazer. Barry é assim. Magnus, não, apenas vai seguindo.

 “– Gostei de você no trem. Só isso. Parecia uma boa pessoa.
Aquilo de novo. Uma vida inteira flutuando no miasma das boas pessoas, onde vivem os amigões e os eunucos”. (pg. 56)

Não nego que me diverti em inúmeras partes do livro, além de admirar vários dos personagens criados, mas quando concluí a leitura, fiquei com a sensação de que faltou alguma coisa. Que fique claro, gostei do final, porém minha sensação foi de que ao longo livro, algo se perdeu.

Se obrigado a defini-lo, diria que é um livro sobre a confusão das percepções pessoais.

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