A harmonia romanesca de Allegro ma non troppo

Uma tentativa harmônica de um encontro

Paulliny Gualberto Tort

Paulliny Gualberto Tort já tem ampla experiência no campo da escrita. Jornalista, atua como colunista da rede de autores Ornitorrinco. É editora de literatura do blogue O Cafezinho. Teve contos publicados nas revistas Traços e Raimundo, assim como em diversos blogues. Em 2008, integrou a coletânea com os dez melhores contos do Prêmio Maximiano Campos.

Além de desenvolver todas essas atividades, Paulliny – que também apresenta o Marca Página, programa da Rádio Nacional sobre literatura – lançou-se em 2016 como romancista com o livro Allegro ma non tropo. A obra teve uma edição caprichada, contando com orelha de Gabriel Pardal e elogio do poeta Nicolas Behr na contracapa. A editora Oito e Meio, que vem desenvolvendo um belo trabalho no Rio de Janeiro, está de parabéns mais uma vez.

O romance é narrado em primeira pessoa pelo personagem Daniel, um violinista cujo irmão, João, desaparece. A história se passa entre os anos de 1997 e 2005 e mostra os percalços do narrador às voltas com (des)venturas amorosas, complicações familiares e – principalmente – tentativas de encontrar o irmão.

Allegro ma non troppo é muito bem estruturado. Suas partes se concatenam com esmero, não há fios soltos, ou seja: nada falta ou sobra no enredo. O senso de unidade é patente.



As raras escorregadelas, quando acontecem, se dão principalmente em detalhes do texto em si, no campo estilístico puramente. Ocorre, por exemplo, quando, na página 82 da edição da Oito e Meio (2016), aparece um cacófato: “…adorei ouvir aquela palavra saindo da boca dela. Gatinho”. Mas talvez seja preciosismo ver nisso propriamente algum defeito. Lembremos que no romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909), aparece: “…despender tanta força de vontade, tanta energia em cousas que os outros pouca gastavam”. E ninguém condena hoje seu genial autor Lima Barreto (1881-1922) pelo seu “cagastavam”.

Se algo pode ser condenado no livro de Paulliny, talvez seja um certo descompromisso com a posteridade, com a extensão que ele pode, certamente, alcançar no tempo e no espaço. A universalidade que a obra tem o mérito de alcançar é – aqui e ali – ameaçada por referências desnecessárias. A mais lamentável delas se dá, na página 58, quando o narrador zomba do sotaque de alguns paulistas: “Parecia que eu estava num passeio com a família Suplicy”. No futuro, um incômodo pé de página terá que explicar quem foi essa tal família. Também não é lá muito feliz a referência a um dono de pousada que organizava o café “feito uma tia Nastácia” (página 54). É verdade que a obra infantil de Monteiro Lobato (1882-1948) merece referência, porém todo leitor também merece ter acesso a ideia que a escritora quer passar – independente de conhecer ou não Reinações de Narizinho e outros livros habitados pela nossa tia Nastácia.

Entre os pontos fortes do livro, está a competente caracterização dos personagens. Cada um deles é perfeitamente verossímil. Os seres a que P. Gualberto Tort dá vida em seu livro se movem como por si mesmos, sem que se enxergue alguma mão todo-poderosa guiando suas ações. Paulliny parece seguir a célebre máxima do escritor francês Gustav Flaubert (1821-1888): “O autor, em sua obra, deve ser como Deus no universo: onipresente e invisível”. Com efeito, aqui a mão autoral não é mesmo visível na narrativa. Isso mostra a grande maturidade da escritora que magistralmente constrói um narrador masculino de psicologia bastante rica.

A escolha pela narração em primeira pessoa permite que se tenha acesso aos pensamentos, sensações e desejos de Daniel, com mais naturalidade. Suas raivas, frustrações e desejos se mostram no texto com uma fluidez que, em momento nenhum, entrava o enredo. A sexualidade, em especial, com seus desdobramentos nas atitudes, pensamentos e concepções do narrador, é trabalhada de maneira bastante natural e esse, talvez, seja o aspecto mais rico do livro. Se alguém achou que Paulliny, por ser mulher, não conseguiria construir bem um narrador masculino, enganou-se completamente. Uma escritora de verdade – como é o caso aqui – possui a chave para a exploração da alma humana, independente de gênero, etnia, tendências sexuais etc. Espera-se que Paulliny Gualberto Tort persevere em seu caminho como romancista. Certamente ela ainda tem muito a nos revelar.



Winter Bastos
Autor do livro de crítica literária Malandragem, Revolta e Anarquia: João Antônio, Antônio Fraga e Lima Barreto (Editora Achiamé, 2005). Em 2011, recebeu menção honrosa no IX Concurso Municipal de Conto – Prêmio Prefeitura de Niterói com "O Anão", posteriormente publicado. Em 2013, obteve menção honrosa no 7º Prêmio UFF de Literatura, com o conto "(Des)encontro", incluído em antologia publicada pela EdUFF. Em concursos de contos do Centro Literário e Artístico da Região Oceânica de Niterói (CLARON) ganhou 1º lugar (em 2016), 2º lugar (2017) e 7º lugar (2018). No Concurso Literário Bram Stoker (contos de terror), foi contemplado com o 10º lugar em 2018.
Winter Bastos
Autor do livro de crítica literária Malandragem, Revolta e Anarquia: João Antônio, Antônio Fraga e Lima Barreto (Editora Achiamé, 2005). Em 2011, recebeu menção honrosa no IX Concurso Municipal de Conto – Prêmio Prefeitura de Niterói com "O Anão", posteriormente publicado. Em 2013, obteve menção honrosa no 7º Prêmio UFF de Literatura, com o conto "(Des)encontro", incluído em antologia publicada pela EdUFF. Em concursos de contos do Centro Literário e Artístico da Região Oceânica de Niterói (CLARON) ganhou 1º lugar (em 2016), 2º lugar (2017) e 7º lugar (2018). No Concurso Literário Bram Stoker (contos de terror), foi contemplado com o 10º lugar em 2018.
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