Um ciclone de sentimentos e embaralhamento lírico como o jazz: isso é o que compõe Ardiduras
A poesia arde, ora consola, ora é inconfortável, versos soam como belas melodias ou ruídos que incomodam. Poesia não tem fórmula. O poeta é um trompetista improvisando em um bar de jazz. Versos são notas que voam livres.
Ardiruras (2016), o segundo livro de Priscila Merizzio (o primeiro é Minimoabismo, publicado pela Editora Patauá em 2014 e semifinalista do Prêmio Oceano de 2015), é uma revoada de pássaros na cabeça do leitor, poemas que mesclam delicadeza e violência. Não há tempo para respirar, a leitura flui e o leitor vai sendo impactado em cada verso, cada poema, marcado com ferro quente da poesia.
O livro é dividido em cinco partes – candeiros d’agua, réstias incandescem, florestas de gérberas, excruciãre hummus, embaralhamentos –; a escolha de Merizzio por tirar os títulos dos poemas e deixá-los divididos em seções é algo que acentua a liberdade na poesia, também não há pontos finais, deixando a poesia escorrer pelo papel.
desde que o fogo lambeu você
deixei de receber cartões postais
para conversar com seu túmulo
descobri que homens são lagartas
embalsamadas no casulo: quando dão para
ser borboletas, morrem (p.62)
As imagens vão se formando no decorrer de suas 86 páginas, um filme brutal porém lindo de assistir. Sensações misturando-se em um ciclone que é formado na primeira frase e mesmo após o livro terminar continua girando. É a cobra que por onde passa deixa seu rastro.
sem filhos Sylvia Plath não teria se suicidado moraria em
bangladesh escrevendo poemas ultraístas sobre iluminação
espiritual arranhando as costas com unhas de sândalo sem as
culpas de toda mãe aninha no bico do peito (p.70)
Para alguns leitores os versos irão causar estranhamento, alguns acharão que são apenas palavras sem sentido, já outros encontrarão a profundidade de sentimentos impressa em cada letra. A poesia de Merizzio é uma poesia singular, a poeta tem total domínio do que escreve, mostrando ao leitor ser uma erudita na escrita da sua obra.
O convite é feito “tenha fé em mim/deposite essas moedas na fenda do meu crânio” (p.33), a jam session furiosa é iniciada, é hora de deixarque os embaralhamentos líricos de Merizzio o conduzam pelos caminhos poéticos de Ardiduras.