Do que Romeu e Julieta falam quando eles falam sobre amor?
“Quero um amor como o de Romeu e Julieta”
A frase é entoada não só pelos que desejam se apaixonar, é cantada também por aqueles que acreditam num amor avassalador, puro, intenso. Romeu e Julieta são símbolos quase universais de amor eterno. Quem não conhece o famoso casal?
A peça de William Shakespeare percorreu o mundo, foi encenada milhares de vezes e adaptada outras milhares. Passou pelo cinema, teatro, televisão, música, dança e literatura. Ganhou versões modernas, clássicas e completamente diferentes da originalmente escrita, se é que assim pode ser nomeada, pois quando encenada no Globe Theater foi inspirada no poema narrativo de Arthur Brooke de 1582 com o título de A Trágica História de Romeu e Julieta. Mas os tratos de inspiração vão além e começam com o poema Píramo e Tisbe, da obra Metamorfoses de Ovídio. Foram séculos de narração da trágica história. A de Shakespeare foi escrita entre 1591 e 1595 (pelos datados e documentos, mais provavelmente em 91), nos tempos primórdios do bardo no teatro londrino, e hoje talvez só menos conhecida do que Hamlet.
Não há o que negar sobre a poética da peça de Shakespeare, que mescla a comédia e a tragédia. Técnica que o bardo usava no início de sua carreira. Poesia e amor também estão diretamente ligados e talvez por isso a ligação tão direta ao amor quando pensamos nela. No caso de Romeu e Julieta, a peça é toda moldada em rimas e um dos sonetos mais bonitos é a mescla de falas entre o casal em seu primeiro diálogo, quando se conhecem¹:
R Se a minha mão profana esse sacrário,
R Pagarei docemente o meu pecado:
R Meu lábio, peregrino temerário,
R O expiará com um beijo delicado.
J Bom peregrino, a mão que acusas tanto,
J Revela-me um respeito delicado;
J Juntas, a mão do fiel e a mão do santo
J Palma com palma se terão beijado.
R Os santos não têm lábios, mãos, sentidos.
J Ai, tem lábios apenas para a reza
R Fiquem os lábios, como as mãos, unidos,
R Rezem também, que a fé não os despreza.
J Imóveis, eles ouvem os que choram.
R Santa, que eu colha o que os meus ais imploram.
Foi a eterna briga entre os Capuletos e os Montecchio (suas famílias) que fez o jovem casal desistir da própria vida pelo amor. Tragédia que envolve muito mais do que apenas amor. E foi talvez a perda da vida pelo esse mesmo amor que fez a peça ser tão conhecida, aclamada e símbolo do amor eterno. Julieta, uma Capuleto, tinha treze anos e estava prometida em casamento a outro homem. Romeu, o Montecchio, era um jovem que estava triste por seu recém perdido amor, entra de penetra na festa dos Capuleto. Se encontram por acaso em meio ao baile de máscaras e seus mundos viram completamente. Se conhecem, se amam, sofrem pelo problema de suas famílias, juram amor eterno.
Começa em uma madrugada, com Julieta despistando sua ama e um Romeu pendurado. A famosa cena do balcão. No dia seguinte se casam. Passam a noite juntos. Em uma sequência de apenas mais dois dias uma série de fatos acontecem. Romeu é exilado. Um plano de fuga, uma carta perdida, o atraso. Começa no domingo, termina na quinta. É quando na famosa cena (não mais que a do balcão) em que Romeu encontra uma Julieta aparentemente morta no túmulo da família e escolhe a morte, para em seguida Julieta acordar e ver Romeu (o seu Romeu) morto e preferir também o suicídio. São quatro dias de um amor intenso que custou a vida de dois jovens. Só o amor os matou? Na verdade tem muita coisa por trás da tragédia que não só isso.
Esse é o amor relâmpago de Romeu e Julieta. O amor adorado e vangloriado, que faz parte do sonho de românticos. É esse tipo de amor que se deseja? Foi um ato impulsivo, tanto de amor quanto de morte.
Olhando os personagens temos um Romeu fraco, apesar de impulsivo. Não tinha maturidade para assumir o amor por alguém da família que sua família desprezava. Era um garoto de coração ferido que em pouco mais de algumas horas encontrou o novo amor. Julieta, apesar da pouca idade, já era mais madura e ciente da sua necessária luta por direitos. Decidida, ela foi quem levou a relação para além de uma simples noite de paixão, quis mais. Foi forte para conseguir se casar escondida e simular uma morte, e posteriormente se suicidar também. O amor poderia ser ainda imaturo, mas a pessoa Julieta era forte, estava disposta a lutar pelo que acreditasse e abriu mão de tudo pra isso.
Romeu e Julieta não é diretamente um história de amor. Romeu e Julieta nos ensina sobre o impulso e a ordem. Ensina sobre a imaturidade. Quando analisada a fundo, o amor (esse que conhecemos a partir do século XIX) não é o pilar da peça, e a história de paixão dos jovens nos ensina muito mais do que apenas amar. E nada disso tira a magia da peça, em que apesar de o amor ser o ponto mais lembrado, traz diversas críticas à burguesia e aos costumes da época.
Talvez, a trágica história de Romeu e Julieta nos ensine exatamente o contrário sobre o amor.
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