“Pertencer à vanguarda”, talvez seja um rótulo, mas logo percebe-se alguém ou um grupo artístico que está à frente do seu tempo, em ações ideias ou experiências. No caso da literatura, muitos nomes já se apresentaram como vanguardistas, incompreendidos por sua geração, mas cultuados anos depois. Eles desconstroem conceitos pré-estabelecidos, propondo uma nova ordem.
É o caso do escritor e poeta argentino Pablo Katchadijian. Nascido em Buenos Aires em 1977, ele tem proposto desconstruções de modelos narrativos hegemônicos, mas duma forma até divertida, sem recair à chatice de muitos experimentalistas.
Em 2007, ele publicou El Martín Fierro ordenado alfabeticamente, onde reordenou os versos do poema clássico argentino (algo como Os Lusíadas para os portugueses), sugerindo a ordem alfabética e alcançando um efeito cômico.
Sua próxima publicação foi El Aleph engordado (2009). Quem é fã de Borges deve ter saltado da cadeira agora, mas é isso mesmo, Katchadijian pegou o conto clássico do grande mestre argentino e acrescentou várias partes, na mesma busca da obra anterior, chegar à comicidade. As quatro mil palavras do conto original viraram novo mil e seiscentas. Obviamente, ainda mais se tratando dum escritor tão famoso, a atitude rendeu uma grande polêmica, e um processo de María Kodama, esposa e herdeira de Borges, em que Pablo Katchadijian foi acusado de plágio. No tribunal, a defesa pautou-se no não benefício econômico, já que El Aleph engordado foi publicado numa tiragem de apenas duzentos exemplares, pelo selo editorial de Katchadijian, Imprenta Argentina de Poesía (IAP). O argumento não foi o suficiente. Ao refazer a defesa, o advogado do jovem escritor apresentou ao juiz um conto do próprio Borges, Pierre Menard, autor do Quixote. Neste relato, um escritor francês se propõe a reescrever Dom Quixote, linha por linha, em pleno século XX. O resultado, segundo o conto, é Quixote melhor escrito. O recurso não foi aceito pelo juiz, e o caso aguarda novo julgamento.
Qué hacer, publicado pela editora Bajo la Luna (2010), oferece uma nova proposta no ato de leitura. Suas estruturas gramaticais, construções sintáticas e expressões de estilo são desconcertantes. Os capítulos fluem seguindo movimentos descentralizados que dão lugar a leituras múltiplas. Não é linear e não há trama, simplesmente vai ocorrendo em muitos lugares, os personagens vão saltando de lugar e momento. Nada é o que parece, o mecanismo se repete saltando de uma cena a outra, recombinando-se. Na cena principal, os protagonistas voltam várias vezes à universidade inglesa, onde têm que ensinar algo aos alunos. O tema da história acaba sendo a revolução.
Em seu livro seguinte, Gracias, editora Blatt & Ríos (2011), Katchadijian apresenta uma história de aventura. Narrado em primeira pessoa, o relato se concentra na vida de um escravo a partir do momento em que ele acorda num mercado de escravos. Neste dia, ele é comprado por Aníbal, que lhe encarrega de trabalhos escabrosos. Isto não abala o escravo, pois ele se empenha em conquistar Nínive, uma das serventes do castelo. Os personagens que entram em cena a partir daí vão formando uma cartela intrigante, como o novo escravo, Hugo, e a Menina Selvagem. Até mesmo a repetição que acontece em cada começo de capítulo com leves repetições – algo como: “Acordei de manhã. Abri a janela. Meu desjejum me esperava…” –, tornam-se cômicas e poéticas na escrita do argentino. Os conflitos vão se sobrepondo na vida do escravo. O tema da revolução volta outra vez à tona, os ecos duma ditadura ainda recente que nossos vizinhos portenhos sofreram.
Com um bigode que me faz pensar em Dom Quixote, Pablo Katchadijian é considerado um dos grandes nomes da recente literatura argentina, expandindo os limites da metaficção com muito bom humor, mas sem abrir mão do experimentalismo.
Vale a pena conferir suas obras.